Design: Mafê
Classificação indicativa: 16 anos
Gênero: história em quadrinhos; memória.
São Paulo, 05 de março de 2025.
A arte apareceu na vida de Choi Kyung-jin ainda na infância. Hoje, adulta e conhecida como Ancco, a quadrinista sul-coreana continua encontrando nas ilustrações e narrativas biográficas uma maneira de canalizar todas as questões envolvendo seu passado e sua história de vida.
Um exemplo disso é o trabalho “Más companhias”, vencedor do prêmio Angoulême na categoria Artista-Revelação e do troféu Korean Comics Today. Lançado em 2012, a obra chegou ao Brasil pela editora Veneta em meados de 2023.
Sinopse
A história se passa no fim dos anos 90, em uma Coreia dividida entre a tradição e a modernidade, assombrada por um clima geral de melancolia. Submetida diariamente ao abuso físico e psicológico de seus pais e professores, a jovem Jinju encontra refúgio nas tardes com sua amiga Jeong-ae. Tardes regadas a álcool, cigarros e desabafos. Cansadas das surras constantes e do tédio cotidiano, as duas decidem fugir de casa, mas logo descobrem que o mundo lá fora não é tão gentil quanto parece.
Um dos maiores nomes do manhwa contemporâneo, Ancco mistura elementos autobiográficos e ficcionais com seu traço sombrio e expressivo, construindo um relato sensível sobre a experiência de crescer mulher na Coreia do Sul.


“Más companhias”, publicado pela Editora Veneta (Reprodução/Divulgação)
Opinião
“Estou muito feliz por ter terminado […]. Acho que enfim posso me desvencilhar da minha adolescência”, diz a mensagem de Ancco no final do livro. Essa carta surge como um respiro em meio às aflições que são retratadas na obra.
Diferente de tudo que já li, “Más companhias” não pede licença para ser a obra que é. Ainda que a história seja fruto da imaginação da autora, a protagonista carrega em sua essência todas as questões e violências pelas quais Ancco passou. E isso se reflete não só no texto como em todas as situações são retratadas.
A obra possui estilos intercalados de acordo com o momento em que os eventos aconteceram. Quando está no presente, os traços são mais leves e os quadros, repletos de luz; mas ao falar do passado, a obra fica carregada com os tons escuros em meio aos borrões.
“Más companhias”, publicado pela Editora Veneta (Reprodução/Divulgação)
É como se Ancco estivesse tentando nos mostrar como funciona a mente dela. O passado é um lugar inóspito, vil e cruel, muito diferente do presente. Essa dissonância funciona muito bem com a história contada, ainda que ela permaneça confusa em alguns momentos.
Seja por não querer abordar algum episódio ou por não se lembrar exatamente do ocorrido, há momentos subentendidos na narrativa. É preciso um olhar mais atento ou uma releitura da obra para que todos os pormenores sejam captados, pois o sentimento de que estamos perdendo parte da história parece acompanhar todo o quadrinho.
“Más companhias” não é apenas uma narrativa; é um pedido de desculpas que Ancco faz a si mesma pelas coisas que fez. E ao terminar a leitura, ela deixa uma pergunta no ar: será que sofremos porque agimos mal ou agimos mal porque sofremos?
“Más companhias”, publicado pela Editora Veneta (Reprodução/Divulgação)