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São Paulo, 09 de novembro de 2024.
Talvez quem veja o livro “Regras do amor na cidade grande” em alguma livraria pense que a obra se trata de algum tipo clichê de romance. Mas essa não é uma história de amor!
Publicado recentemente no Brasil, o livro poderia ser visto apenas como uma história semelhante a qualquer outra se não fosse por um detalhe muito importante: Go Young é um homem gay. E isso foi o suficiente para que sul-coreanos conservadores destilassem seus comentários de ódio ao autor do livro, Sang Young Park, e ao protagonista do K-drama, Nam Yoon-su.
Esses ataques, contudo, serviram apenas para alavancar a mensagem que o livro e a adaptação carregam.
Enredo
Young é um jovem coreano que, entre os estudos e o trabalho, vive intensamente as noites de Seul e coleciona homens que conhece no Tinder. Ele e Jae-hee ― sua melhor amiga, com quem divide apartamento ― frequentam bares próximos, onde deixam de lado as preocupações sobre vida amorosa, família e dinheiro se jogando em rodadas de soju e cigarros que guardam no freezer.
No entanto, com o tempo, tudo muda, até mesmo Jae-hee. Depois de muitas desilusões amorosas e uma vida de solteira intensa, ela decide se casar, para surpresa do amigo. Young, então, passa a morar sozinho e divide o tempo entre alguns empregos ― para pagar as contas ―, a escrita e os cuidados com a mãe, com quem tem uma relação complicada e que foi diagnosticada com câncer em estágio avançado.
Na ânsia por se livrar do constante sentimento de solidão, Young busca companhia em uma série de homens, e cada um tem um impacto diferente em sua vida. Entre eles, um homem mais velho e politizado, mas que demonstra dificuldades em assumir sua orientação sexual; outro que lhe deixa algo que terá de carregar por toda a vida; e um que pode acabar sendo seu grande amor.
Opinião
Ao contrário de boa parte das obras destinadas ao público LGBTQIAPN+, em “Regras do amor na cidade grande”, o foco está em dialogar com pessoas acima dos 30 anos. Isso porque tanto os personagens quanto os problemas que eles carregam estão bastante relacionados com essa faixa etária.
Aqui não temos um personagem se questionando e tentando entender sua sexualidade. Go Young é adulto e sabe muito bem quem é. A questão em si é de que forma a existência dele aos trinta e poucos anos é impactada pelo mundo à sua volta.
Sang Young Park partiu de experiências pessoais ao retratar os personagens e seus dramas, mas esses sentimentos, na verdade, estão presentes em grande parte das pessoas LGBTQIAPN+. “Recebi mais comentários do que esperava a respeito de “Regras do amor na cidade grande” de pessoas dos Estados Unidos e do Reino Unido. Me fascina [saber] que as reações deles não são diferentes das dos leitores coreanos. Eu pensei que essa era uma história extremamente coreana, mas a maior parte dos comentários falam sobre o livro como se os eventos presentes nele tivessem acontecido com algum vizinho deles, o que me deixou muito feliz”, disse o autor ao The Booker Prize. E é justamente por retratar a vida como ela é que a leitura se torna tão agradável.
Com um enredo simples à primeira vista, o livro entrega uma trama repleta de personagens complexos cujos dramas de fato poderiam acontecer a qualquer um à nossa volta. Isso, somado ao aprofundamento dado a eles, inclusive em coadjuvantes, coloca o leitor numa estranha relação de proximidade com a história.
Ser gay não deveria ser visto como um traço de personalidade. É só mais uma característica e isso, diga-se de passagem, é só mais um dos fatores que deixam a história ainda mais envolvente visto que a trama não gira em torno da sexualidade do protagonista, mas nos dramas e episódios de caráter duvidoso nos quais o protagonista se envolve.
Em alguns momentos queremos sacudir alguns dos personagens e criticá-los por suas atitudes, assim como, em outras situações, tudo que gostaríamos de fazer é acolher e aconselhá-los, algo que faríamos apenas com amigos e familiares próximos.
A arte não existe apenas para entreter, mas também para retratar o mundo como ele é. E já estava mais do que na hora de trazerem à tona um personagem gay que fosse humano acima de tudo. Passível de erros e acertos.
“Regras do amor na cidade grande” é um livro capaz de expor uma voz já tão silenciada e de uma forma nem um pouco pueril. A ideia não é de mostrar uma história de amor, mas nas inúmeras tentativas de viver um romance que acabam fracassando e nas marcas que isso deixa nas pessoas.