Cobertura, Destaques, HIT!Leituras

Um mergulho nos desafios do processo de tradução — Cobertura Caminhos da Literatura Coreana no Brasil Han Kang

Design: Jéssica Fernandes

São Paulo, 13 de outubro de 2025

O projeto Caminhos da Literatura Coreana no Brasil: Han Kang promovido pelo Sesc Pinheiros em parceria com a Editora Todavia, recebeu a tradutora Natália Tae, responsável pelas versões brasileiras de “Atos Humanos” e “Sem Despedidas”, de Han Kang

Na conversa pudemos ver sobre o processo de tradução, os desafios linguísticos e o impacto da literatura coreana no Brasil. A noite reuniu leitores, estudantes e curiosos interessados em compreender como se traduz uma autora que escreve a partir da dor, da memória e do corpo.

Desde o início, Natália chamou atenção para o modo como Han Kang constrói seus textos. “Ela pega um elemento e vai minuciosamente explorando ele”, explicou, ao citar o uso recorrente de imagens e repetições poéticas. Segundo ela, esse estilo faz com que a tradução seja também um trabalho de ritmo e respiração: “Às vezes o sentido não está na palavra, mas na pausa. É preciso sentir o tempo da autora.”

Tradução como escuta

Comentando “Atos Humanos”, romance que aborda o massacre de Gwangju e seus desdobramentos na vida dos enlutados, a tradutora descreveu o livro como uma narrativa de vozes múltiplas, atravessada por violência e humanidade. “Traduzir Han Kang é lidar com o trauma e com o silêncio. É entender o que o texto sente, não só o que ele diz”, afirmou.

Em “Sem Despedidas”, Han Kang retorna à história coreana para falar do massacre de Jeju (1948–1954). O livro mistura memórias, vozes e fragmentos poéticos, além de incluir trechos escritos no dialeto da ilha, um dos pontos destacados pela tradutora.

Natália contou que precisou recorrer a uma moradora local para entender certas expressões. “Eu fui atrás de uma pessoa que era da ilha, e ela me ajudou traduzindo para o coreano padrão”. Ao explicar a escolha de não adaptar o dialeto para o português, acrescentou: “Eu preferi não trazer para nenhum sotaque brasileiro. O importante era manter a oralidade e o ritmo sem que soasse artificial”. 

O papel do tradutor

Entre perguntas e comentários, a conversa girou em torno do lugar do tradutor no processo literário. Natália destacou que não existe tradução neutra. “Cada tradutor coloca um pouco de si no texto”, disse. Para ela, a tradução é também um gesto de leitura profunda, onde a empatia e a técnica se misturam.

Quando questionada sobre o equilíbrio entre fidelidade e liberdade, ela respondeu que o principal desafio é respeitar o estilo da autora sem perder a naturalidade da língua portuguesa. “Mergulho com a autora. Traduzo e leio ao mesmo tempo. Às vezes preciso parar, respirar e voltar”, contou, arrancando sorrisos da plateia.

Outra pergunta do público revisitou o debate sobre glossários, notas e termos culturais. Natália explicou que prefere soluções mais sutis: “Prefiro não acrescentar se puder. Às vezes dá para resolver no próprio texto.” Segundo ela, o tradutor precisa saber quando intervir e quando deixar o leitor encontrar o estranhamento.

Literatura e a expansão da Hallyu

Em um dos momentos mais interessantes da conversa, o debate se ampliou para o papel da literatura dentro da Hallyu, a onda cultural coreana que expandiu a cultura sul-coreana para o mundo. Natália observou que, embora o cinema e a música tenham sido as principais portas de entrada, a literatura começa a ocupar um espaço importante nesse cenário.

“A literatura apresenta outra dimensão da Coreia, uma dimensão de linguagem e de memória. E acho que as pessoas têm buscado isso com mais curiosidade”, afirmou. Ela acrescentou que o interesse crescente do público brasileiro mostra uma abertura para narrativas mais complexas, que dialogam com temas históricos, políticos e existenciais.

Autores e desejos de tradução

Ao ser questionada sobre gêneros ou autores que gostaria de traduzir, Natália citou uma autora coreana, Park Wan-Suh (1931-2011) que já é falecida e disse esperar vê-la publicada no Brasil. “Eu gostaria que fosse lançado, eu gostaria de traduzir, mas se não for eu, eu tô feliz também.”

O público reagiu com risos e aplausos. A fala, simples e espontânea, resumiu o espírito da noite: traduzir é um ato coletivo, que ultrapassa o trabalho técnico e se torna um gesto de mediação entre culturas.

A conversa terminou com um comentário sobre o papel do tradutor como ponte. Natália defendeu que a tradução literária é também uma forma de circulação de afetos: “O tradutor precisa escutar o texto, mas também o leitor. O nosso trabalho é fazer o texto atravessar.”

Entre perguntas, trocas e reflexões, ficou evidente que traduzir Han Kang é mais do que decifrar palavras, é reconstruir sensações e preservar silêncios.

Sobre o autor

Jornalista, colunista e assessora de imprensa HIT!
Sou STAY e você pode ver mais conteúdos meus no @akoninews.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *