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O que é Propriedade Intelectual e por que ela é tão importante para o K-pop?


Se você costuma acompanhar notícias sobre as agências de K-pop ou ler entrevistas com os CEOs dessas agências, você já deve ter reparado no quanto eles falam em Propriedade Intelectual. Por exemplo, a HYBE costuma divulgar os seus “Briefings com a Comunidade”, nos quais sempre falam sobre as estratégias e planos da empresa. A SM, recentemente, divulgou também o seu plano de monetização de Propriedade Intelectual criado para impulsionar a nova era da empresa, chamado de “SM 3.0”.

Talvez você até saiba, na prática, o que a Propriedade Intelectual significa. Afinal, como fã de K-pop, você lida com ela constantemente. Quando um grupo divulga a tracklist do seu próximo álbum em um comeback e um membro participou da composição de alguma música, isso tem a ver com Propriedade Intelectual. Quando vemos notícias sobre um grupo que deu disband e que não pode mais se promover de forma independente usando o nome do grupo, isso tem a ver com Propriedade Intelectual.

Mas afinal, o que é a Propriedade Intelectual? E por que se fala tanto nisso no K-pop, talvez até mais do que em outras indústrias pop de outros lugares do mundo?

Nesse artigo, vamos entender um pouco mais sobre o papel da Propriedade Intelectual na estruturação e no sucesso do K-pop.

O que é Propriedade Intelectual?

Propriedade Intelectual é um sistema de proteção a uma série de criações, como as artes e a tecnologia. Cada espécie de Propriedade Intelectual está sujeita a regras diferentes de proteção, que podem sofrer algumas variações nas leis de cada país. Mas, em geral, o sistema tem princípios comuns reconhecidos em todo o mundo.

Algumas espécies de Propriedade Intelectual que vemos no K-pop são:

·         Marcas: protegem os direitos de exploração de nomes, expressões, logos, figuras e outros símbolos que são considerados como marcas registráveis. No K-pop, os tipos de marcas mais comuns são os nomes e  logos dos grupos, e até mesmo os nomes e logos de eventos, universos fictícios e outros produtos relacionados aos grupos (por exemplo: a “BANG BANG CON”, do BTS, e o “PALM STAGE”, da YG Entertainment, são marcas registradas);

·         Direitos Autorais: protegem obras artísticas, literárias e científicas. No K-pop, isso significa proteger as composições musicais (música e letra), as gravações das músicas, as fotografias, os conteúdos (webtoons, trailers de comebacks etc), os MVs, as coreografias e muito mais;

·         Patentes: protegem as invenções ou modelos de utilidade (melhoramentos de tecnologias existentes). São uma espécie de Propriedade Intelectual menos comum na indústria musical, mas o K-pop tem vários exemplos interessantes de como usar as patentes como diferencial. Por exemplo, as tecnologias usadas nos light sticks podem ser protegidas por meio de patentes;

·         Desenhos industriais: protegem a forma plástica ornamental de um objeto, ou o conjunto ornamental de linhas e cores aplicado a um objeto. Podem proteger, por exemplo, o design dos light sticks (como as ARMY Bomb, as quais têm seus designs registrados) ou outros artigos de merchandising dos grupos de K-pop; 

·  E outras espécies de Propriedade Intelectual, como os programas de computador.  

Erros e mitos comuns sobre Propriedade Intelectual no K-popNão existe proteção jurídica para ideias. 
É errado dizer “patentear” marcas, “patentear” músicas, “patentear” nomes. De acordo com a legislação de Propriedade Intelectual, a patente só se aplica a invenções e modelos de utilidade (isto é, tecnologias);
Dificilmente se reconhece direitos autorais sobre títulos de músicas. Mas pode haver casos em que um título de música é registrado como marca (por exemplo, a YG solicitou o registro de “PINK VENOM”, música do BLACKPINK);
Nem toda música que soa parecida com outra é necessariamente um caso de plágio! Por exemplo, usar a mesma progressão de acordes de uma música anterior não é uma violação de direitos autorais. Outro caso interessante que acontece no K-pop é que muitos produtores fazem uso de instrumentais disponibilizados em bancos de samples de uso livre. Dessa forma, na prática, é possível ouvirmos duas músicas de K-pop que fazem uso de um mesmo loop. Aliás, você sabia que “LALISA” da Lisa e “BUCK”, collab do WOODZ com o Punchnello, usam o mesmo sample produzido por uma dupla de brasileiros (Tropkillaz)?  

Qual é a importância da Propriedade Intelectual no K-pop?

O K-pop trabalha com produtos de arte e entretenimento que envolvem uma série de criações protegidas por lei. Portanto, a Propriedade Intelectual é toda a base do K-pop, sendo usada e criada o tempo inteiro.

A Propriedade Intelectual é imaterial, mas até mesmo os produtos físicos no K-pop estão sempre relacionados de alguma forma à Propriedade Intelectual. 

Vejamos o exemplo das propriedades intelectuais envolvidas em um álbum de K-pop. Os álbuns são “veículos” para vender a música e os photocards de um grupo, nos quais:

  • As composições (música e letra) são protegidas por direitos autorais;
  • Os fonogramas (isto é, as gravações das composições) são protegidos por direitos conexos aos direitos autorais;
  • Os photocards contêm fotografias, que também são protegidas por direitos autorais;
  • O nome e a logo do grupo que aparecem na capa do álbum são protegidos por direitos de marcas.

Ou seja: as leis de Propriedade Intelectual não protegem o produto físico em si, mas sim, os ativos intelectuais vendidos por meio dele.

É nisso que se baseia o negócio das empresas de K-pop e é assim que elas ganham dinheiro: com venda de álbuns e merchandising, com streaming de música e vídeo, com licenciamento de marcas dos grupos para parcerias com outras marcas, ou seja, com exploração comercial de Propriedade Intelectual.

Por isso, o K-pop leva o sistema de Propriedade Intelectual bem a sério. É por isso que você sempre verá os CEOs e demais executivos de K-pop falando tanto sobre Propriedade Intelectual em entrevistas e materiais de comunicação que eles lançam para a comunidade e para os investidores.

Como a Propriedade Intelectual impulsiona a economia do K-pop – e da Coreia do Sul como um todo

Todo esse esforço estratégico e investimento em Propriedade Intelectual é um dos motivos pelos quais o K-pop tem crescido tanto enquanto indústria, e claro, também se reflete na economia da Coreia do Sul.

No primeiro semestre de 2022, a Coreia do Sul registrou um superávit comercial de direitos de Propriedade Intelectual. Ou seja: houve mais venda de direitos do que compra, sendo que, só na área de receitas arrecadadas com direitos autorais, houve uma alta de 870 milhões de dólares (de acordo com dados do Banco da Coreia, noticiados pela Yonhap News Agency). Essa alta se deve em muito ao dinheiro que o país arrecada com músicas de K-pop.

Além disso, em 2022, pela primeira vez, o Top 10 dos artistas que mais venderam música no mundo contou com três artistas de K-pop (BTS, SEVENTEEN e Stray Kids), de acordo com a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI). Esse ranking avalia as receitas obtidas com vendas físicas, vendas digitais, streaming e outras fontes de arrecadação de direitos autorais.

O potencial econômico da Propriedade Intelectual no K-pop foi reconhecido até mesmo pelo atual Diretor Geral da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), Daren Tang. No início de 2023, ele visitou a Coreia do Sul, onde se encontrou com o Presidente Yoon Suk Yeol e com representantes de associações de Propriedade Intelectual coreanas. Ele também conheceu a HYBE e várias outras empresas e autoridades. Em um post no LinkedIn, Daren Tang disse:

“O crescimento do K-pop e do K-drama não é resultado de sorte, mas sim, o resultado de um planejamento e execução realizados por décadas. Essa mesma visão estratégica é visível agora no impulsionamento do país para o financiamento e comercialização de Propriedade Intelectual.”

Inclusive, eu já escrevi um artigo sobre o BTS para a Revista da Organização Mundial de Propriedade Intelectual! Se quiser conferir, clique aqui: How the boy band BTS is using IP to build its legacy

Como a Propriedade Intelectual afeta os idols?

Ok, até agora você já deve ter percebido o quanto as empresas de K-pop se esforçam para criar, proteger e comercializar sua Propriedade Intelectual. Mas e os idols? Onde eles entram nisso?

Em regra, os titulares das propriedades intelectuais dos grupos e solistas de K-pop são as agências. Isso porque são elas quem investem no desenvolvimento, proteção e gestão dessas propriedades. Geralmente, a titularidade da empresa sobre esses ativos e receitas vem estipulada nos contratos que os idols assinam.

Mas é claro que há casos em que os idols estão envolvidos no processo de criação e podem receber receitas de Propriedade Intelectual. Por exemplo, quando um artista de K-pop participa da composição de uma música (letra ou melodia) e essa composição é registrada na KOMCA (Korean Music Copyright Association), o artista recebe royalties de direitos autorais pelas vendas e demais receitas que a música gera.

Inclusive, quando um artista passa a receber uma certa quantidade de royalties por ano, ele pode até mesmo se tornar um membro pleno da KOMCA, recebendo o direito de votar nas assembleias anuais. Alguns artistas que já receberam esse status são: a BoA, a IU, a rap line do BTS (RM, SUGA e j-hope), o 3RACHA do Stray Kids (Bang Chan, Han e Chanbin), o Yoon e Mino do WINNER, entre outros.

Quando o assunto é marcas, a situação dos idols é um pouco mais complicada. Você já deve ter visto notícias envolvendo a luta de idols, após o disband, para adquirir direitos sobre a marca do grupo que faziam parte. Como eu disse anteriormente, a situação padrão é que a agência tenha os direitos sobre as marcas.

Porém, recentemente, temos visto casos em que os idols conseguem os direitos sobre as marcas. Foi o que houve com o GOT7. Mesmo após terem deixado a JYP, os membros são os titulares dos registros de marca junto ao KIPO (Korean Intellectual Property Office). Segundo foi reportado, o grupo conseguiu de forma amigável que a JYP transferisse a marca para eles.

Também temos visto decisões recentes do KIPO que reconhecem o esforço criativo do artista na criação de uma marca e negando o registro de marca à empresa. Foi o que ocorreu com a BIGHIT quando ela tentou registrar a marca “BORAHAE”, uma expressão criada pelo Kim Taehyung (V).

Resumidamente, a Propriedade Intelectual movimenta todo o ecossistema do K-pop, afetando as empresas, os idols, os compositores, produtores, coreógrafos, as empresas que fazem parcerias, e até mesmo o governo. E claro, ela também afeta você, que é fã, e que está na outra ponta dessa cadeia, consumindo os produtos.

Autora: Ana Clara Ribeiro, advogada de Propriedade Intelectual, escritora e pesquisadora.

LinkedIn: @ana-clara-ribeiro-

Instagram: Propriedade Intelectual

*Este artigo foi escrito para fins de entretenimento e informação, e não equivale a uma consulta jurídica. 

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