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HIT!Queer: “Seu nome gravado em mim”: um romance sobre o primeiro amor

Design: Laura Pires.

Natal, 23 de fevereiro de 2025.

Não é novidade que o cinema asiático tem conquistado cada vez mais espaço no cenário mundial, com obras que variam de dramas profundos a comédias envolventes. Dentro desse movimento, Taiwan tem se destacado com produções que exploram temas sociais e emocionais de forma sensível e impactante.

Filmes como “Um romance do além” (2022) e “A sun” (2019) demonstram a versatilidade do cinema taiwanês, trazendo histórias que refletem a diversidade e as complexidades da sociedade taiwanesa.

Seu nome gravado em mim” é um filme taiwanês lançado em 2020. A história gira em torno de dois estudantes do ensino médio que desenvolvem uma profunda conexão emocional durante um período de turbulência política e social em Taiwan, no final da década de 1980.

A obra se destaca pela sensibilidade com que aborda o amor, a identidade e a luta por aceitação em meio à repressão social.

O filme vai além de um simples romance adolescente, tornando-se um marco para a representatividade LGBTQIA+ no cinema asiático. Lançado um ano após a legalização do casamento homoafetivo em Taiwan, o filme ressoa na sociedade ao dar visibilidade a uma geração que enfrentou repressão e luta por aceitação.

ENTENDA O CONTEXTO POLÍTICO DE TAIWAN

Entre 1895 e 1945, Taiwan foi ocupada pelo Japão, mas com o fim da Segunda Guerra Mundial, o território voltou para a China sob a liderança do KMT. Em fevereiro de 1947, cerca de 18 e 28 mil pessoas foram mortas ou desaparecidas durante um protesto contra o governo atual. Este foi um dos maiores massacres na história do país.

Já em 1949, o líder do Partido Nacionalista Kuomintang (KMT), Chiang Kai-shek, e aproximadamente dois milhões de seus seguidores se retiraram para Taiwan, após perder a Guerra Civil Chinesa. Em seguida, Taiwan foi nomeada como República da China, que continua sendo seu nome oficial, e foi instaurado a Lei Marcial, marcando o início do regime ditatorial no país.

Décadas depois, o então presidente de Taiwan, Chiang Ching-kuo, fez uma declaração histórica para o país: em 15 de julho de 1987, a Lei Marcial estava chegando ao fim.

A queda da Lei Marcial trouxe a promessa de mais liberdade, mas a sociedade taiwanesa ainda carregava os resquícios da repressão, especialmente para a comunidade LGBTQIA+. Nesse cenário de transformação e resistência, “Seu nome gravado em mim” captura a dualidade entre esperança e medo, explorando como as mudanças políticas não se refletem imediatamente na aceitação social.

O FILME

Kuang-Hui Liu, o diretor do longa, expressou que seu objetivo era criar um filme pessoal. Para isso, ele convidou Yu Ning Chu, um ex-colega de escola e produtor do filme, e juntos desenvolveram o roteiro, revisitando suas memórias do passado. Liu revelou que aproximadamente 80% do arco narrativo de A-Han, um dos protagonistas, é inspirado em suas próprias experiências de vida. Essa conexão íntima com a história confere ao filme uma autenticidade e uma ressonância emocional que capturam a essência das vivências de muitos jovens na sociedade taiwanesa, em especial daqueles que viveram a época.

O filme pode ser dividido em duas partes. A primeira parte se desenrola quando a Lei Marcial é suspensa, começando com o encontro de A-Han (Edward Chen) e Birdy (Tseng Jing-Hua) em uma aula de natação. Rapidamente, eles desenvolvem uma amizade e, em um espaço de tempo ainda mais curto, começa a surgir uma conexão mais profunda entre eles.

Um dos momentos mais impactantes do filme é a homenagem ao ativista Chi Chia-wei, um dos pioneiros da luta LGBTQIA+ em Taiwan. A cena em que ele é violentamente retirado das ruas por policiais não apenas ilustra a repressão política da época, mas também simboliza o medo e a marginalização enfrentados pelos personagens principais. A decisão do diretor de incluir esse evento real dentro da trama reforça o compromisso do filme com a autenticidade histórica, ao mesmo tempo em que humaniza a luta pelos direitos LGBTQIA+.

Chi Chia-wei é um ativista dos direitos lgbtqi+ há décadas. Nesta cena, ele usa um cartaz que diz “homossexulidade não é uma doença”. Em 2020, foi eleito como uma das pessoas mais influentes do mundo pela revista TIME. Imagem: Netflix

Essa cena simboliza a repressão enfrentada pela comunidade LGBTQIA+ e destaca a luta por direitos e aceitação em um contexto social hostil.

Inseridos em um ambiente escolar católico e conservador, os protagonistas enfrentam um rígido controle institucional que reprime tanto os relacionamentos heterossexuais quanto os homossexuais. Esse contexto acentua os conflitos internos dos personagens, que vivem entre a descoberta de sua identidade e o medo da discriminação.

Quando a escola se torna mista e começa a receber alunas, há uma forte tentativa do diretor da escola em manter os alunos separados, visando evitar que eles desenvolvam relacionamentos. Esse controle impacta negativamente os personagens, criando barreiras internas que os impedem de aprofundar suas relações, de se abrirem uns para os outros e, pior ainda, de compreenderem seus próprios sentimentos.

Em meio a esse contexto, Birdy inicia um relacionamento com uma das novas alunas, Ban-Ban, investindo cada vez mais nessa conexão como uma forma de criar uma fachada para ocultar sua sexualidade, a qual ele ainda não aceita plenamente. Essa situação provoca um distanciamento gradual entre ele e A-Han, culminando na transferência de Birdy para outra escola e na perda total de contato entre os dois.

Imagem: Netflix

A segunda parte do filme se desenrola anos depois, quando os protagonistas se reencontram após a morte de um dos padres da escola. Durante esse reencontro, eles conversam sobre os tempos de escola, e Birdy revela que amava A-Han. A cena final é particularmente tocante, mostrando os personagens mais velhos assistindo às suas versões mais jovens cantando a música tema do filme.

A obra é deliciosamente envolvente e sensível ao abordar de maneira responsável os traumas das gerações anteriores, que não puderam expressar seu amor, assim como aqueles que lutaram incansavelmente pelos direitos LGBTQIA+. 

Imagem: Netflix

A fotografia é encantadora, com visuais ricos em detalhes. A direção de fotografia usa uma paleta de cores melancólica e uma composição visual que enfatiza o isolamento e a intimidade dos personagens. A luz natural e os planos contemplativos ajudam a construir a atmosfera emocional do filme.

A trilha sonora amplifica o drama, e a canção-título se tornou um dos elementos mais marcantes do filme. O melodrama é intencional e faz parte da estética emocional da narrativa, embora impacte negativamente, tornando certas cenas excessivamente dramáticas e reduzindo a sutileza da emoção que a história poderia transmitir de forma mais natural.

Apesar dessas falhas, a obra ainda brilha com sua profundidade emocional e narrativa cativante. Não é à toa que tenha recebido diversas indicações, conquistando prêmios como “Melhor Canção de Filme Original” e “Melhor Cinematografia” no Golden Horse Awards. Esses reconhecimentos refletem não apenas a qualidade técnica da produção, mas também a ressonância que sua história provoca no público, tornando-o uma experiência cinematográfica memorável.

Seu nome gravado em mim” não é apenas um romance adolescente, mas um retrato sincero de um período histórico crucial em Taiwan. Ao equilibrar delicadeza e melancolia, o filme se torna um testemunho da luta pela aceitação e pela liberdade de amar.

Fonte: (1), (2), (3), (4), (5), (6), (7), (8), (9), (10), (11), (12)

MENTOR, Pedro Farias. Seu nome gravado em mim: ou sobre os amores que (não) são dignos de serem vividos. Revista Estética e Semiótica, v. 13, n. 1, p. 87-99, 2023.

WU, Y.. Advocating Empathy and Inclusiveness:Taiwan’s Movie” Your Name Engraved Herein”(2020). American Journal of Chinese Studies, v. 28, n. 2, p. 7396, 2021.

Sobre o autor

Estudante de Jornalismo apaixonado por cultura pop. Para sugestões de pautas: addsonjor@gmail.com.

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