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Falar ou calar?
São Paulo, 25 de janeiro de 2025.
Após declaração de lei marcial pelo presidente sul-coreano Yoon Suk Yeol, em 3 de dezembro, a mídia revistou a questão sobre: os idols devem permanecer apolíticos em meio a turbulências sociais e políticas?
Historicamente, a indústria do entretenimento coreana tem imposto um rígido controle sobre a liberdade de expressão de seus artistas. Porém, com a globalização do K-pop e o alcance massivo das redes sociais, cresce a pressão para que essas figuras públicas se posicionem diante de questões nacionais. O dilema, entretanto, vai além de um simples “falar ou calar”, envolvendo riscos financeiros e a própria sobrevivência das carreiras dos artistas.
A coragem de falar
A cantora Lee Chae-yeon, ex-integrante do IZ*ONE, adotou uma postura corajosa ao comentar sobre os protestos em Seul, desafiando a ideia de que ídolos devem ser apolíticos: “Não estou em posição de falar sobre política? Então qual é exatamente a posição ‘certa’ para falar sobre isso?”, questionou Lee. “Como cidadã e membro da sociedade, eu decidirei por mim mesma, quando e sobre o que falar.”
O NewJeans, a cantora IU, Yuri do Girls’ Generation e o cineasta Park Chan-wook, se uniram para apoiar os cidadãos que pediam o impeachment do presidente Yoon Suk Yeol. Por meio do fornecimento de alimentos e bebidas pré-pagos em estabelecimentos selecionados em Yeouido, o principal distrito financeiro de Seul e sede da Assembleia Nacional, as celebridades expressaram sua gratidão e encorajamento àqueles que desafiaram o frio em sua luta por mudanças.
Empecilhos externos
Na Coreia do Sul, um país ainda marcado por fortes tradições e hierarquias sociais, os artistas do K-pop são frequentemente tratados como produtos de exportação. Qualquer comentário político pode resultar em boicotes, perda de patrocínios e campanhas de ódio online, ameaçando diretamente a sustentabilidade de suas carreiras.
Após o anúncio, os apoiadores de Yoon começaram a encorajar o boicote às empresas que a contrataram IU como porta-voz, compartilhando a lista de marcas, algumas foram a New Balance, HiteJinro e Woori Bank. Empresas apoiadas por Yuri, do Girls’ Generation, e integrantes do NewJeans também se tornaram alvos.
A pesquisadora Stephanie Choi, da Universidade Estadual de Nova York em Buffalo, observa que ídolos coreanos enfrentam um cenário muito mais restrito do que seus pares ocidentais. “Nos Estados Unidos, artistas como Taylor Swift e Beyoncé podem se posicionar politicamente sem temer grande perda de mercado. No entanto, o mercado coreano é menor e mais conservador, o que torna o posicionamento político arriscado para as estrelas do K-pop”, explicou Choi ao The Korea Herald.
Mesmo assim, a pressão sobre essas celebridades é crescente. Com a ascensão das redes sociais, os fãs, principalmente da geração mais jovem, esperam que os idols sejam mais do que rostos bonitos e apresentem opiniões sobre os acontecimentos mundiais. Essa expectativa aumenta, especialmente quando questões como direitos humanos e democracia estão em jogo.
O futuro: silêncio como estratégia ou mudança inevitável?
As agências que gerenciam os artistas ainda veem o silêncio como a estratégia mais segura. “Quando os artistas se envolvem em questões políticas, eles colocam em risco suas próprias carreiras. Não há necessidade de que eles se alinhem publicamente a uma posição específica”, afirmou um representante de uma grande agência de entretenimento, sob anonimato, ao The Korea Herald.
Contudo, pesquisadores como Stephanie Choi alertam que o silêncio também pode ser interpretado como um ato político. “Ficar calado diante de uma crise pode ser visto como complacência”, disse ela. “Os fãs esperam autenticidade de seus ídolos, e ignorar questões sociais pode afastar uma parcela significativa do público.”
O dilema das estrelas do K-pop reflete um conflito mais amplo na sociedade coreana: até que ponto é aceitável separar a vida pública da vida pessoal? Em um país onde o K-pop é um dos maiores produtos culturais de exportação, a resposta a essa pergunta pode moldar o futuro da indústria.