“A história falhou conosco, mas não importa”
Essa frase abre o romance de enorme sucesso escrito por Minjin Lee, Pachinko. A obra conta a história de quatro gerações da família de Sunja, uma garota sul-coreana pobre que, após engravidar, precisa deixar o seu país e ir em direção a um novo lugar para recomeçar e prover uma boa vida para seus descendentes.
Antes de começar a falar sobre a história, vale a pena destacar algumas informações sobre a autora por trás dessa maravilha. Formada em história pela Universidade de Yale, Minjin Lee é uma autora sul-coreana que imigrou para os Estados Unidos ainda criança. Foi em 1989, ainda no país norte americano, que os primeiros rascunhos da obra começaram a ser criados, mas levou anos para que ela se sentisse pronta para publicá-los. Ela estudou sobre o assunto, viajou para o Japão e entrevistou famílias sul-coreanas e descendentes que moravam no país nipônico para, finalmente, entender parte dos resultados da ocupação japonesa na Coreia e dar voz àqueles cujas histórias foram apagadas. Dessa forma, embora o romance seja considerado uma ficção, é possível perceber o teor histórico no desenvolvimento de sua obra.
O romance foi publicado em 2017 e ganhou uma enorme aceitação do público, além de chamar atenção o suficiente para a criação de uma série, de mesmo nome, que pode ser vista na Apple TV. Porém, essa resenha vai focar principalmente na obra literária, que conta com uma densidade e riqueza de detalhes absurda.
A história é dividida em três capítulos (Gohyang/Cidade Natal 1910-1933, Pátria-mãe 1939-1962 e Pachinko 1962-1989) e se inicia com uma breve narração sobre os pais da protagonista e seu nascimento milagroso. Filha de Hoonie — um pescador inteligente — e Yang Jin — uma terna jovem pobre —, Sunja foi a única filha do casal que sobreviveu além dos 3 anos de vida, o que a tornou uma joia especial para os olhos de seu pai.
Conforme o primeiro capítulo se desenvolve, nós podemos ver o crescimento da garota, seu trabalho no hotel da família e sua vida em um país que está sob o domínio do império japonês. O último elemento é de extrema importância para narrativa como o todo, porque, no livro, essa parte triste da história não é romantizada de forma alguma. A autora fez questão de mostrar o apagamento cultural e truculência que o país do sol nascente impunha sob o povo coreno da época, sem contar os altos impostos que empobreciam cada vez mais a população.
É dentro desse cenário caótico que, na sua adolescência, Sunja encontra Hansu Koh — um importante homem coreano rico e muito bonito, que a engana — e acaba se apaixonando por ele, o que resulta numa gravidez e um casamento arranjado com Isak Baek, um pastor de bom coração que, ao ver a situação da garota, decide salvá-la do pecado.
Por que ela não ficou com o Hansu? Eles não estavam apaixonados um pelo outro? Bom, porque Pachinko não é uma obra de romance, e sim uma história sobre a História. Neste livro, o romance serve como pano de fundo para assuntos muito mais importantes e esquecidos (ou melhor, silenciados) pelas populações atuais, principalmente a japonesa. Aqui, nós vemos como as ações de nossos antepassados podem influenciar nas nossas vidas nos dias de hoje, seja de forma positiva ou negativa. Afinal, foi devido a decisão de Sunja de deixar a Coreia que a vida de seus netos foi alterada para sempre.
Como forma de salvar a honra tanto de sua família, como a de seu marido, a garota grávida concorda em se mudar para Osaka, Japão, em 1933, e iniciar uma nova vida por conta própria em um país desconhecido e violento. Esse sacrifício a faz conhecer seus cunhados, Yoseb Baek e Kyunghee, além da realidade deprimente que seus compatriotas vivem naquela cidade grande, na qual os coreanos eram comparados e tratados como inferiores pelos nativos do lugar. Os únicos momentos de esperança experienciados pela protagonista são o nascimento de seus filhos Noa e Mozasu, fruto de seu relacionamento com Isak.
A partir desse enredo pouco elaborado que a trama principal se desenrola. Com uma montanha-russa de sentimentos cheia de altos e baixos, a autora, Minjin Lee, não poupou detalhes em relação a psique de seus personagens e os acontecimentos que os cercam. Isso é muito bem explicitado na forma como Sunja, embora seja uma garota (e, posteriormente, uma mulher) extremamente forte, que se preocupa com a segurança e bem estar de seus familiares, no meio de um cenário cheio de desesperança e egoísmo, nunca teve a oportunidade de refletir ou cuidar de si mesma. Por conta própria, ela decide trabalhar para ajudar no sustento de sua casa — apresentando uma completa oposição à opinião do cunhado —, mas sempre visando investir na educação para um potencial futuro para seus filhos e netos.
Além da protagonista, vale também destacar a personalidade marcante dos irmãos Noa e Mozasu. O livro inicia com eles ainda crianças e acompanha seu desenvolvimento até a fase adulta. Mesmo sendo filho de coreanos, o mais velho apresenta não gostar da etnia herdada dos progenitores, afinal, na escola, sua origem é vista como um motivo de bullying. Esse estigma o persegue por toda a vida, o que acaba deixando o personagem perdido entre tantos pensamentos conflitantes. Ele deseja inúmeras vezes que tivesse nascido japonês para que pudesse viver uma vida tranquila, assim ele não precisaria ser perfeito para conseguir se encaixar nos padrões impostos a ele para se tornar a exceção do “bom” coreano.
Já o mais novo, mesmo vivendo sob a mesma pressão social, escolhe rebater as agressões de igual para igual. Ao invés de se encaixar nas expectativas impostas, ele procura meios de se destacar naquela sociedade que o olha com desdém. É no meio dessa busca que ele encontra um futuro no ramo mal-falado do Pachinko – uma espécie de jogo de azar muito comum na época que estava comumente ligado a yakuza. É dessa forma que Mozasu ganha sua vida e prospera. Enquanto Noa tenta se encaixar no meio dos agressores, o mais novo procura uma forma de existir tirando proveito daqueles que o maltrataram.
Existem inúmeros personagens marcantes na obra que merecem o seu devido destaque, mas é quase impossível de citá-los sem dar nenhum spoiler sobre a obra, então é super recomendável a leitura. Além disso, existem cenas, como a prisão de Isak Baek e seu retorno para casa, que cortam o coração de forma brutal.
Em 522 páginas, Minjin Lee conseguiu exprimir parte das consequências da diáspora coreana para o Japão e traz à tona a verdade que muitos se recusam a ver por não ser “bonita ao olhos”. A história só é contada através da visão do vencedor, mas Pachinko vai na contramão ao ditado e busca a voz do silêncio. Por essa razão, é uma leitura muito necessária para aqueles que adoram um K-drama histórico ou aqueles que precisam desconstruir o ideal do Japão perfeito.