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Campina Grande, 03 de Dezembro de 2024.
Entre protestos e pressões financeiras: o futuro das universidades femininas na Coreia do Sul
Nos últimos meses, as universidades femininas da Coreia do Sul têm sido o centro de um debate nacional sobre seu futuro. Em destaque está a Dongduk Women’s University, localizada em Seul, que enfrenta protestos de estudantes contrárias à possível transição para um modelo coeducacional. A proposta é parte do plano de desenvolvimento “Vision 2040 Task Force“, criado para lidar com pressões financeiras e demográficas. Contudo, a discussão ultrapassa os limites do campus, refletindo desafios que envolvem o sistema educacional e a luta por igualdade de gênero no país.
A crise ganhou visibilidade em novembro de 2024, quando mais de mil estudantes da Dongduk realizaram manifestações contra as discussões sobre tornar a universidade mista. As alunas apontaram não apenas o descontentamento com a ideia de abrir vagas para homens, mas também com a falta de transparência no processo de tomada de decisão.
O plano “Vision 2040 Task Force“, elaborado para garantir a sobrevivência financeira da instituição, inclui a coeducação como uma das estratégias propostas. No entanto, para muitas estudantes, essa mudança ameaça a missão histórica da universidade: oferecer um espaço dedicado ao desenvolvimento das mulheres.
“Dongduk sempre foi um lugar de empoderamento feminino. Essa transição parece um retrocesso no legado que construímos”, afirmou uma representante do corpo estudantil durante os protestos, em entrevista à Korea Pro.
Um ponto sensível no debate
Além do impacto no legado institucional, a questão da segurança tem sido um ponto central no debate. Durante os protestos, surgiram ameaças contra as alunas em fóruns online, incluindo imagens de armas acompanhadas de mensagens violentas. Esses incidentes refletem os riscos de vulnerabilidade em um país onde crimes de ódio e violência de gênero são recorrentes.
Dados da polícia sul-coreana mostram que, somente em 2024, mais de 800 crimes relacionados ao uso de deepfakes – imagens ou vídeos manipulados digitalmente, muitas vezes usados para humilhar ou explorar mulheres – foram registrados. Adicionalmente, casos de invasão de privacidade, como gravações clandestinas em espaços femininos, reforçam o temor das estudantes sobre a perda de ambientes seguros.
Legado em risco
Defensores da preservação das universidades exclusivamente femininas argumentam que, além de oferecerem uma educação focada nas mulheres, essas instituições proporcionam ambientes onde elas podem se desenvolver sem medo de assédio ou discriminação. Um manifesto recente do corpo estudantil da Hanyang Women’s University destacou a importância de espaços onde mulheres podem atuar de forma independente, longe das restrições e ameaças impostas por uma sociedade ainda dominada por práticas misóginas.
Por outro lado, os defensores da educação mista acreditam que a inclusão de homens em ambientes historicamente femininos pode ser uma oportunidade de promover uma convivência mais equilibrada e igualitária entre os gêneros, preparando os estudantes para interagir em espaços de trabalho diversos. No entanto, críticos dessa visão ressaltam que, sem políticas rigorosas para mitigar os riscos à segurança e à participação acadêmica das mulheres, essas mudanças podem aprofundar desigualdades em vez de reduzi-las.
Papel histórico das universidades femininas
As universidades femininas da Coreia do Sul possuem um legado histórico que transcende a educação acadêmica, sendo fundamentais na transformação social do país. A primeira delas, a Ewha Womans University, estabelecida em 1886, marcou o início da inserção formal de mulheres no sistema educacional coreano em uma época em que elas eram amplamente excluídas dos espaços de aprendizado.
Essas instituições ofereceram ambientes seguros, livres de discriminação de gênero, onde as mulheres puderam desenvolver liderança, autoconfiança e habilidades essenciais para o mercado de trabalho. Durante o século XX, elas desempenharam um papel crucial na formação de líderes femininas que desbravaram caminhos em setores tradicionalmente dominados por homens, como política, negócios e a área acadêmica.
No auge, mais de 20 universidades femininas operavam no país. Hoje, restam apenas sete, refletindo o impacto das mudanças demográficas e das crises financeiras. Apesar disso, essas instituições continuam a simbolizar o compromisso com a igualdade de gênero e a formação de lideranças femininas.
Os desafios atuais
A sustentabilidade financeira dessas instituições tem sido ameaçada pela baixa taxa de natalidade da Coreia do Sul, que atingiu o recorde histórico de 0,7 filhos por mulher em 2024, segundo a Statistics Korea. Essa crise demográfica reduziu drasticamente o número de estudantes em potencial. Entre 2021 e 2023, mais de 158 mil jovens deixaram de ingressar no ensino superior, aumentando a competição entre universidades por um grupo cada vez menor de candidatos.
Esse declínio demográfico parece afetar principalmente instituições privadas, como a Dongduk, que dependem de matrículas para sustentar suas operações. A transição para a educação mista é vista por algumas administrações como uma saída para atrair mais estudantes e garantir a sobrevivência financeira.
E as reivindicações?
Até o momento, a Dongduk Women’s University não tomou uma decisão final sobre a transição para um modelo misto. Apesar da mobilização das estudantes, não há indícios de que suas reivindicações tenham sido atendidas. Os protestos seguem em curso, e a causa tem ganhado apoio de outros grupos estudantis e ativistas pelos direitos das mulheres.
A crise em Dongduk é emblemática de um dilema mais amplo: como equilibrar a modernização e a sustentabilidade financeira das universidades femininas sem comprometer seu papel histórico na promoção da igualdade de gênero? O futuro dessas instituições dependerá de políticas inovadoras e investimentos direcionados que permitam preservar seu legado enquanto se adaptam às novas realidades sociais e econômicas.
Essa discussão ressalta que não estamos tratando apenas sobre números de matrícula ou questões financeiras, mas sobre os valores que a sociedade está disposta a priorizar para garantir um futuro mais igualitário e seguro para todos.