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A quem pertence o nome artístico de um idol? Entendendo o direito ao nome a partir de exemplos da YG Entertainment

Texto: Ana Clara Ribeiro

Curitiba, 15 de outubro de 2024.

Imagine fazer fama e carreira com um nome e de repente se ver impedido de usar esse nome para seguir no mundo artístico. Será que isso pode acontecer no K-pop? Um idol pode perder o direito de usar o seu nome artístico?

No artigo Quem é o “dono” do nome de um grupo de K-pop?, nós falamos sobre os dilemas envolvendo o nome de grupos de K-pop. Mas esses dilemas podem ser ainda mais complexos quando estamos falando do nome de um idol.

Um idol que recentemente precisou lidar com desafios relacionados aos direitos sobre seu nome artístico foi o G-Dragon. Nascido Kwon Ji-yong, ele usa um nome artístico desde, pelo menos, 2006, como membro do grupo BIGBANG, da YG Entertainment. Mas após deixar a YG, no final de 2023, ele se viu em uma situação delicada quanto a esse nome artístico que o tornou conhecido no mundo inteiro. Afinal, a YG era dona das marcas “G-Dragon” registradas junto ao Korea Intellectual Property Office (KIPO), e até do acrônimo “GD”, que também foi protegido por meio de registros de marcas.

Felizmente, para o G-Dragon, tem dado tudo certo: em maio de 2024, as marcas foram transferidas da YG para a GALAXY CORPORATION, empresa à qual o artista está vinculado atualmente. A mídia coreana reportou que essa transferência se deu de forma amigável e sem custos. Essa negociação amigável é uma tendência que tem acontecido no mundo do K-pop e que foi aconselhada pelo Ministério da Cultura, Esportes e Turismo da Coreia em 2018.

Quando um nome se torna uma marca?

A ideia de uma empresa controlando o uso de algo tão pessoal quanto um nome pode parecer estranha, a princípio. Mas para entender como um nome pode se tornar objeto de disputas comerciais, precisamos primeiramente entender o conceito jurídico de marca.

Quando o nome de uma pessoa é usado para prestar serviços, atividades profissionais ou vender produtos, podemos dizer que esse nome está sendo usado como marca. Um exemplo que não é do K-pop mas que você certamente deve conhecer é a marca de beleza Fenty Beauty, da cantora Rihanna. “Fenty” é o sobrenome da artista, mas ela o transformou em uma marca. Nesse contexto, “Fenty” deixa de ser só um nome e passa a ser (parte de) uma marca também. Ou seja: o nome se torna um ativo de propriedade intelectual, um bem, algo com valor patrimonial.

Se é criado um novo nome para que um artista use enquanto promove suas atividades artísticas, esse nome também pode ser uma marca. 

Existe uma forma de proteger os direitos sobre nomes usados como marca: o registro de marca. (Muita gente, erroneamente, usa os termos “patente de marca”, “patentear marca” etc; mas na verdade, patente é um outro tipo de propriedade intelectual que não protege nomes ou marcas).

É comum que as empresas no K-pop registrem os nomes dos grupos como marcas. Já o registro do nome dos membros do grupo não é tão comum quanto o registro de nomes de grupos; mas algumas empresas o fazem. A YG Entertainment é um exemplo a partir do qual podemos compreender vários aspectos desse tema.

Além do caso do G-Dragon que citamos acima, também podemos citar como exemplo o registro da marca “Manobal Lalisa”. Esse caso é ainda mais intrigante, porque Lalisa Manobal é o nome de nascença da Lisa, do BLACKPINK. Ou seja, não é (apenas) um nome artístico.

Mas antes que você se espante muito com essa conduta, vale destacar que a YG só registrou a marca “Manobal Lalisa” para vender alguns produtos, como cosméticos e bolsas. É importante saber que os registros das marcas são feitos conforme classes de produtos e serviços. A YG só tem o registro da marca “Manobal Lalisa” nas classes de marca 03 (esmaltes, cosméticos etc) e 18 (bolsas, mochilas etc). A YG não tem o registro da marca “Manobal Lalisa” para atividades artísticas e de entretenimento. 

Outro exemplo é o registro da marca  “Taeyang”, nome artístico do Dong Young-bae, do BIGBANG. A YG tem o registro da marca Taeyang nas classes 14 (joias, relógios), 18 (bolsas, mochilas), 21 (recipientes para comidas e bebidas), 24 (mantas, roupas de cama) e 25 (roupas).

De qualquer forma, você deve estar se perguntando:

A lei coreana permite que o nome dos idols seja registrado como marca pelas empresas?

Tanto a legislação brasileira quanto a legislação sul coreana de marcas determinam que é preciso ter consentimento para que se possa registrar o nome, nome artístico ou pseudônimo famoso de alguém como marca (Artigo 124, incisos XV e XVI da Lei de Propriedade Industrial, e artigo 7 (1) (vi) do Korean Trademark Act).

A legislação coreana diz ainda que não é possível registrar como uma marca um nome ou sobrenome comum (Artigo 6, (1) (v).

Então, desde que haja consentimento e que se trate de um nome não genérico, capaz de identificar um artista, então, sim, é possível que uma empresa registre o nome civil ou nome artístico de um idol como marca e controle o uso comercial desta marca. E como esse consentimento é dado? Geralmente, nos contratos que os idols assinam com as empresas. 

Dessa forma, qualquer uso comercial que o idol queira fazer do seu nome demandará autorização da empresa.

O dilema dos portrait rights


Até aqui, nós falamos do uso comercial do nome somente sob o aspecto do registro de marca. Mas o uso comercial do nome de um artista também pode ser controlado a partir de outro instituto jurídico: os portrait rights ou publicity rights. São direitos compreendidos dentro de um instituto maior: a concorrência desleal. 

Esses direitos dizem respeito à proteção do uso comercial de nomes, vozes, imagens ou outras representações que identificam uma pessoa. 

Para esse artigo, vamos manter a discussão sob o aspecto dos registros de marca, mas podemos abordá-los em outra ocasião no futuro aqui na HIT! — inclusive porque o principal precedente sobre publicity rights na Coreia do Sul também está relacionado a K-pop, mais especificamente, ao BTS. (Se você lê em inglês e está interessado em saber mais, vale a pena conferir os artigos dessa mesma autora, nos quais ela comenta essa decisão judicial: Branding as a Tool for Protection of Intellectual Property Rights: BTS and ARMY as a Case Study e How the boy band BTS is using IP to build its legacy).

O outro lado: uma (ex) idol da YG que é dona da sua própria marca

Até aqui, já vimos casos de idols ou ex idols da YG Entertainment que têm seus nomes registrados como marca e que ainda estão sob titularidade da YG, e um idol que saiu da empresa mas conseguiu a transferência da marca.

Mas outro caso bastante recente que vale a pena mencionarmos é o da Jennie Kim, do BLACKPINK.

No início de 2023, Jennie protocolou diversos pedidos de registro da marca JENNIE RUBY JANE no KIPO, em diversas classes de marca. Em 15/07/2024, ao menos 8 desses pedidos foram concedidos. Ou seja: Jennie é dona de registros da marca JENNIE RUBY JANE e pode controlar o uso comercial dessa marca.

Não foi feita uma pesquisa sobre todos os idols ou ex idols da YG Entertainment. Os exemplos que citamos nesse artigo são só alguns entre outros que poderiam ser encontrados no portfólio de direitos de propriedade intelectual da empresa e os artistas que são ou já foram vinculados a ela. Inclusive, pode ser que haja casos parecidos em qualquer outra empresa de K-pop. A escolha da YG para esse artigo se deu porque não somente ela é prolífera nesse exemplo, como também porque o desenrolar dos casos envolvendo nomes/marcas do G-Dragon e Jennie Kim foram destaque nos últimos meses.

Esses exemplos são suficientes para entendermos nuances importantes da marca, que é uma espécie de propriedade intelectual muito relevante no mundo do K-pop.

Autora: Ana Clara Ribeiro, advogada de Propriedade Intelectual, escritora e pesquisadora.

LinkedIn: @ana-clara-ribeiro-

Instagram: Propriedade Intelectual

*Este artigo foi escrito para fins de entretenimento e informação, e não equivale a uma consulta jurídica. As informações sobre registros de marcas foram obtidas na base de dados KIPRIS, que é aberta ao público.

Fonte: (1), (2)

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