Texto: Carol Tomé e Virginia Oliveira
Design: Darlís Santos
São Paulo, 12 de setembro de 2024.
São Paulo seguiu com seu clima caloroso na terça-feira (10), registrando uma máxima de 33° graus. Mas isso não foi um empecilho para as centenas de leitores ávidos ocuparem o Pavilhão de Exposições do Distrito Anhembi. No local acontece, ate o próximo dia 15, a 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo.
A HIT! esteve presente no quinto dia de feira para assistir à palestra “Amarelitudes: Histórias e Experiências de Autores asiáticos brasileiros”, que contou com a presença de Monge Han, Paola Tabata e Yoshi Itice e mediação do criador de conteúdo Leo Hwan. Um debate super importante sobre arte, consciência racial e brasilidade.
Autopercepção e rótulos
No início, o mediador pede que os autores se apresentem e pergunta quais outros nomes eles têm, isso porque é comum que filhos de imigrantes tenham nomes na língua materna de seus antepassados e outro nome abrasileirado para ficar mais fácil na hora de se apresentar. Algo que, segundo Leo Hwan, é motivo para crises de identidade na comunidade asiática brasileira.
O primeiro a falar foi o autor e ilustrador Monge Han. Ele revela que seu nome em português é Erick, e que ganhou um nome em coreano, dado pela sua avó. Já o nome artístico foi criado a partir de um apelido que ganhou na época da faculdade. Sua obra mais conhecida é “Vozes Amarelas”, quadrinho que apresenta histórias de personagens asiáticos no Brasil e vários dilemas que vivem, principalmente na infância.
Depois foi a vez de Paola Yuu Tabata se apresentar. Ela está lançando sua primeira HQ, “Bem vinda de volta”, pela Editora Seguinte, uma história autobiográfica, mas com pitadas de ficção. A narrativa traz a perspectiva da autora que cresceu como uma pessoa racializada no Brasil.
Por fim, tivemos a palavra de Yoshi Itice, ou Thiago, como é chamado por sua família. Ele é o autor de “Do Contra: Herança (Graphic MSP)”, uma releitura do personagem Do Contra, da Turma da Mônica. Ele diz que diferente da maioria das famílias japonesas, seu pai procurava ressaltar a cultura brasileira em casa.
Os autores então começaram a discutir sobre como suas experiências pessoais influenciaram as histórias que querem contar, principalmente o momento de auto aceitação enquanto pessoa amarela brasileira. Foi interessante ver que apesar de pontos em comum, cada um usou de narrativas diferentes para expressar seus sentimentos.
No caso de Yoshi, ele explica que seu pai, apesar de ser descendente de japoneses, não introduziu a cultura em seu lar por conta do bullying que sofreu quando pequeno, fazendo-o odiar o fato de ser japonês.
Assim, o artista também cresceu com essa resistência, tanto que, quando foi convidado a escrever sobre o personagem Do Contra, diz que não estava preparado: “Escrever a história do Do Contra foi como uma terapia para mim”, revela ele sobre esse exercício de resgatar o que viveu na infância.
Monge Han também destaca esse momento de negação às raízes, e relata que só começou a olhar para si de maneira diferente quando viajou para a Holanda. Lá, as pessoas não o percebiam como brasileiro, mas pontuavam sua etnia coreana.
Já Paola conta que estudou em uma escola nipo-brasileira, então não era difícil encontrar outros estudantes que faziam parte da colônia e, por isso, se sentia familiarizada naquele ambiente. No entanto, as coisas mudaram quando ela foi transferida para uma escola totalmente brasileira, lugar onde se deparou com estereótipos.
Asiático brasileiro
Uma pergunta feita por Leo que gerou vários apontamentos, foi se os autores estavam cansados de falar sobre os clichês de suas vivências, como explicar que chamar qualquer pessoa asiática de japa é ofensivo ou piadas racistas não são legais, porém em sua maioria eles apontaram que na verdade os ditos clichês são parte importante do processo.
Monge Han e Paola citaram as Olimpíadas de Paris 2024 e o período do COVID-19 para criticar os comentários racistas e xenofóbicos relacionados a pessoas asiáticas. Para eles a sociedade ainda não sabe lidar com a presença das diferenças étnico-raciais que englobam o mundo. Pois ainda tem muito preconceito a ser vencido.
Eles também expressaram seu descontentamento com o mito da minoria modelo que coloca pessoas amarelas em espectro de excelência e pressão muito grande, frases como “nossa você é asiático, claro que é inteligente” ou “para um asiático, até que você é burro”, não são motivadoras ou positivas.
Depois de relatarem acontecimentos pessoais, todos destacaram um objetivo comum. Por mais que suas obras recentes possam ser ferramentas de consciência racial e até uma fonte de representatividade para jovens e adultos asiáticos, os autores não querem ser rotulados como especialistas no assunto, ou figuras que só falam sobre isso. “Eu queria que o leitor, sendo amarelo ou não, conseguisse se identificar com os personagens”, declara Monge Han.
Um ponto importante citado por Leo Hwan foi que ele não se considera somente asiático ou brasileiro, ele é asiático brasileiro, pois suas raízes e a criação que teve aqui intervém diretamente em sua visão de mundo e também em como as pessoas os veem. Os autores concordaram com a fala e adicionaram que é isso que os torna únicos e especiais.
Pudemos perceber que as experiências não são individuais, mas compartilhadas a partir de uma visão de mundo da sociedade. Pessoas negras, indígenas, amarelas ou pertencentes a outras minorias, passam por processos parecidos de aceitação e descoberta e foi muito gratificante aprender com a história de cada um dos participantes.
Inspirações
Caminhando para o final da palestra, foi aberta uma breve sessão para questionamentos do público e a HIT! teve a chance de perguntar para os autores quais inspirações positivas eles tiveram durante sua infância.
Começando por Monge Han, o quadrinista conta que fica feliz com a popularização da cultura coreana no mundo, mas quando era mais novo não tinha tanto esse espaço. Por isso suas inspirações eram mais relacionadas a animes e personalidades japonesas e chinesas, como Lucy Liu e Jackie Chan, já que eram os mais próximos.
O autor também citou a obra “Combo Rangers”, uma webcomics brasileira no estilo mangá criada em 1998 por Fábio Yabu, como uma de suas principais referências, pois o personagem Ken é asiático. Então ele conseguia se ver de alguma forma naquela obra.
Paola comentou que não teve muitas referências diretas na cultura pop brasileira, além dos doramas (novelas japonesas) que assistia com sua irmã. O filme “Mulan” da Disney foi citado como uma inspiração. Mesmo a protagonista sendo chinesa, era seu filme favorito da época, pois a quadrinista conseguiu se enxergar nas telas pela primeira vez.
Yoshi respondeu que suas referências eram animes e séries japonesas da época, como “Jaspion” e que teve um pouco de ciúme amigável quando a K-culture começou a se popularizar no Brasil, mas que achava isso um avanço cultural importante.
Depois de mais uma pergunta do público sobre o processo criativo dos quadrinhos, em que cada autor comentou um pouco sobre suas estratégias de organização para construir uma obra, a palestra se encerrou com aplausos.
Para nós foi muito importante ver que cada vez mais autores amarelos podem ocupar espaços de destaque no cenário artístico nacional. Como consumidores da cultura e mídia asiática, precisamos nos informar sobre as demandas e realidades dessas pessoas, para que possamos cada vez mais valorizar o trabalho deles e vencer o preconceito no país.
Conecte-se aos palestrantes no Instagram:
Paola Yuu Tabata: @papoulasdouradas
Yoshi Itice: @yoshiitice
Monge Han: @mongehan
Leo Hwan: @leohwan
Queria ter conseguido assistir a palestra 😭