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Sam-il, o primeiro passo da Independência Coreana

Capa do panfleto do Sam-il (1919). 

“Nós proclamamos aqui a independência da Coreia e a liberdade do povo coreano. Nós o anunciamos ao mundo como testemunho da igualdade de todas as nações e o transmitimos à nossa posteridade como seu direito inerente.”

Capa do panfleto do Movimento 1º de março.

Esse trecho retirado da capa do panfleto da Cruz Vermelha do Movimento do 1º de março marca um fato histórico ocorrido em 1919, na região em que hoje estão a Coreia do Sul e a Coreia do Norte: o Sam-il

O Movimento Sam-il, que significa em coreano “3-1” ou “1º de março”, foi o primeiro passo na história da Coreia por sua independência. Porém para compreendermos a importância desse fato devemos olhar brevemente ao contexto da época.

35 anos de ocupação, exploração e abusos

De 1910 a 1945 a Coreia como conhecemos hoje não existia no mapa. Nesse período, ela foi ocupada pelo Japão em um dos seus projetos de colonização e supremacia inspirados por eventos globais que assolaram a humanidade, como o Imperialismo e as Guerras Mundiais.

Em relação à Coreia, o Japão foi o protagonista enquanto seu colonizador e explorador. Inspirados pela ideia dos Estados Unidos de Manifest Destiny* e pelo colonialismo da Grã-Bretanha, os japoneses começaram a desenvolver sua própria forma de domínio sobre as regiões vizinhas. 

Seu principal foco era o acúmulo de matérias-primas e uso de pessoas para o desenvolvimento de sua própria nação através da força. Ademais, outros esquemas políticos serviram de pano de fundo para influenciar ainda mais o Japão em seu plano de ocupar a região coreana, como o acordo com os Estados Unidos sobre a colonização das Filipinas (1905) e o assassinato da rainha Min(1895), esposa do último rei coreano, Kojong, que resistia à ocupação japonesa.

Contudo, a exploração não era apenas econômica. Segundo o jornalista americano Mckenzie, em seu livro “Korean’s Fight For Freedom”, o Japão também tinha por objetivo o próprio genocídio cultural do povo coreano:

“Tornou-se cada vez mais claro, entretanto, que o foco dos japoneses não era nada mais do que a total absorção do país e a destruição de qualquer traço da nacionalidade coreana. […] ‘Eles falarão nossa língua, terão nossa vida, e serão parte integral nossa… Vamos ensiná-los nossa língua, estabelecer instituições e torná-los um só conosco’.”

O trecho acima, demonstra bem a ideia típica de colonização de um país: desenvolvê-lo através da destruição de sua cultura, idioma e modos de vida para impor uma “superior” e “desenvolvida”. 

Contudo, apesar dessa imagem de superioridade nacionalista japonesa, os coreanos começaram a se articular a partir da morte do rei Gojong (1919). Essa movimentação se concretizou como uma manifestação em 1919. 

Organizar o han

Desde a era Joseon, os coreanos elaboraram um conceito que faria parte de sua identidade enquanto nação e se trata de um conjunto de emoções, que inclusive predomina na arte coreana até hoje: o han. Um sentimento de fúria, tristeza e resignação diante do destino injusto e do desespero. 

Essa palavra surgiu devido ao histórico de ocupações, invasões e pilhamentos que a região sofreu ao longo de sua história, não apenas pela ocupação japonesa, mas como invasões mongóis, chinesas e guerras de outros países que ocorreram pelo território.

O han foi o catalisador para organizar um movimento que incluía todas as classes sociais e de gêneros na Coreia por um único objetivo: sua independência e reconhecimento enquanto nação.

E o primeiro passo foi a organização do movimento de 1º de Março que seguiu os moldes da Revolução Americana que aconteceu 143 anos antes. Na Declaração lida durante o Movimento Sam-il, os princípios de liberdade da tirania japonesa eram claros. 

Além disso, o princípio de autodeterminação, conceito articulado pelo Woodrow Wilson — 28º presidente dos Estados Unidos — contra o imperialismo e que se fortalecia pelo mundo após a Primeira Guerra Mundial, foi essencial para nortear o movimento que se seguiria.

O conceito de autodeterminação foi um dos 14 pontos apresentados no programa do presidente democrata como uma resolução da Primeira Guerra Mundial, ou seja, o direito das nações determinarem seu próprio destino político.

Sam-il: um grito por reconhecimento

O Sam-il foi um movimento pacífico, muito influenciado por princípios de não violência cristãos e budistas presentes na sociedade da época, mas também por outros movimentos pacíficos de resistência pelo mundo, como os movimentos liderados por Gandhi na Índia (1906-1948), e que influenciaram mais tarde preceitos como os do Movimento pelos Direitos Civis nos Estados Unidos (1952-1983).

Tudo começou com a assinatura da declaração em um restaurante no centro de Gyeongseong (atual Seul) por 33 signatários, os quais, após lerem o documento, se entregaram para os japoneses, a fim de evitar uma grande revolta. Esse documento tinha como único objetivo apelar para a consciência japonesa.

Contudo, Jun Jae-yong, um professor, leu o documento para a população que aguardava os líderes signatários, o que incitou a passeata pela cidade. Os manifestantes empunhavam bandeiras coreanas e gritavam “Mansei!”, o que era uma forma reduzida de “Que a Coreia Viva por 10 mil anos”.

Após esse primeiro movimento, que durou de março até meados de abril, passeatas e marchas reuniram mais de dois milhões de coreanos em diversas partes do país. Sendo eles das mais  diversas classes e gêneros, como fazendeiros, trabalhadores, estudantes e mulheres.

Isso acendeu a chama da liberdade nos corações coreanos que se alastrou durante os próximos anos até, enfim, sua independência.

Protagonismo feminino no Sam-il

Foto da manifestante  Yu Gwan-sun após ser presa em 1919

Esses protestos contavam com a presença de mulheres jovens, principalmente estudantes, como Yu Gwan-sun, uma garota que teve um papel central nas manifestações, principalmente na do dia 1º de abril. Nessa data, Yu Gwan-sun, organizou uma manifestação em sua cidade, Cheonan, e convocou cidades vizinhas a participarem, juntando mais de 3 mil pessoas no Mercado Aunae que gritavam pela independência da Coreia.

Essa, como muitas outras manifestações, sofreram represálias diretas e violentas dos japoneses, algo que levou à morte e ao aprisionamento de milhares de coreanos. Em contrapartida, houve como consequência pontos que colaboraram para o aumento da resistência do povo coreano, como se organizar em outros atos rebeldes, o aumento do patriotismo e o boicote aos japoneses.

Um exemplo interessante e pouco falado é a participação das gisaengs, mulheres responsáveis pelo entretenimento masculino na época, artistas e mulheres que estavam fora da estrutura social feminina. Elas tinham mais conhecimento político e foram figuras que colaboraram para organizar marchas, a popularizar as ideias do movimento através da tradução da declaração para o hangul e a impressão em massa dele para a organização de marchas pelo movimento de independência coreana.

Um dia para celebrar

Infelizmente, não foi apenas com o Sam-il que a Coreia conquistou sua independência, mas esse foi o primeiro passo. O espírito coreano de resiliência e luta floresceu nesse período, o que colaborou para a elaboração de protestos não violentos, marchas, manifestações e outros atos de desobediência durante os anos de ocupação e brutalidades japonesas, mostrando ao mundo e a seus colonizadores que o povo coreano jamais se dobraria. 

*Manifest Destiny: Ideia de que os norte-americanos brancos receberam a ordem divina de dominar todo o continente norte-americano.

Fontes:

March First Movement 1919 Archives – Korean Quarterly

Manifest destiny – Wikipedia

Han (cultural) – Wikipedia

How schoolgirls became independence fighters in 1919 | Korea’s March 1st Independence Movement [Global Insight] SAMIL INDEPENDENCE MOVEMENT

Korea’s March 1st ‘Samil’ Movement hits 97th anniversary

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