Ana Beatriz Medella (@heyanabea._)
Rio de Janeiro, 03 de abril ,2023
Não é nem um pouco incomum que grupos femininos de K-pop tenham um grande sucesso. As idols ocupam capas de revistas, são nomeadas como embaixadoras de marcas de luxo, têm o rosto e o corpo mercantilizado de diversas formas. Aqui, não se busca apagar que o corpo masculino também seja tornado em produto comercial, porém é inegável que a mulher, dando maior ênfase aqui a sul-coreana, passa por situações que a subjuga por corresponder a performance do gênero feminino que está vinculado ao seu sexo biológico. Muitas vezes, essas idols precisam esconder parte de suas personalidades para caber em uma caixinha que as desumanizam e humilham.
A cada ano temos músicas, comebacks e álbuns inteiros lançados por girlgroups e artistas femininas que batem recordes de bom desempenho. Porém, cabe, para início dessa conversa, pensar que essas produções cumprem diversos objetivos. Dentre eles está o de ser um produto de mercado e enquanto produto ele precisa ser vendável. Pensar um comeback, está necessariamente ligado ao consumo de seu público. As ideias que circulam, o que pensam, como essas pessoas expressam suas opiniões são partes importantes para nortear o que será produzido, musical e visualmente. Também é preciso ter em mente que nem sempre as idols têm a liberdade de participar de forma autoral desses momentos.
Um exemplo recorrente da pouca participação das cantoras nesse processo são as roupas, que, por muitas vezes, causam desconforto por serem excessivamente curtas ou justas, saltos excessivamente altos que podem causar lesões.
O silenciamento e supressão da identidade e autonomia do idol recai com maior peso sobre o corpo feminino quando pensamos que aquela idol, apenas por ser mulher, já passou e passa por outros silenciamentos. Tal apagamento vem, principalmente, a partir de um meio social estruturalmente patriarcal. Essa estrutura social é também o lugar onde o pop sul-coreano está presente e, dessa maneira, ele pode operar para a continuação e ratificação do patriarcado.
Tal forma de pensamento que organiza a sociedade, tem raízes históricas e, portanto, culturais. A consciência coletiva, trabalha em sentido que corrobora para a estruturação e organização de uma sociedade que subjuga o corpo feminino ao agrado masculino. Muito do que é normalizado está, na verdade, enraizado em uma visão patriarcal.
Para favorecer a imagem masculina, aquilo que é feminino precisa ser o seu contraponto e estar submetido a ideia de submissão. Assim, há uma clara divisão de papéis que são atribuídos aos sexos biológicos. Dentro de um conjunto, tais atributos correspondem aos gêneros feminino ou masculino. Uma particularidade da Coreia do Sul e de outros países leste-asiáticos está na herança do confucionismo, onde a mulher está atrelada à servidão enquanto filha, esposa e mãe. O pensamento que as confinavam dentro de casa, ressoa em espaços fora dela, já que foram e ainda são lugares majoritariamente ocupados pela presença masculina.
Porém, é preciso sinalizar que não é apenas o fato de haver uma maior quantidade de homens em posição de poder que faz as mulheres continuarem a passar por situações de preconceito. Como é algo entranhado na cultura e história, a presença do machismo está no imaginário coletivo e é por ele reproduzido de forma geral.
Assim, voltamos ao K-pop enquanto um fragmento da sociedade sul-coreana. Essa parte específica da cultura, por vezes, é responsável pela continuação do machismo. Além disso, essa continuação se dá de forma particular em cada cenário em que está inserida, ou seja, as singularidades culturais juntamente a uma forma de pensamento machista, dará origem a formas de opressão mais específicas daquele lugar.
Portanto, o papel desempenhado pela idol estará ligado a performances especificas do gênero que foi atribuído a ela a partir de seu sexo biológico. Não por acaso, cantoras que quebram com estereótipos, seja por meio do formato de seu corpo, pelas músicas que compõe, ou pela forma como se veste, tendem a chocar o público. No caso sul-coreano, o treinamento dentro das empresas dado a essas meninas está orientado para corresponder às demandas histórico culturais que dão formato ao pensamento social coletivo.
Como dito no início do texto, o corpo do idol, sem se ater ao gênero, é o meio pelo qual se gera lucro. Quando unimos essa argumentação a performance de gênero, um ponto fica claro. A idol performa determinado ideal de feminilidade, não somente porque é algo que está socialmente difundido, mas também por ser aquilo que gera lucro. Entretanto, é bastante claro que o cenário vem mudando e vemos maior diversidade e liberdade feminina.
Fonte: CUBE Entertainment
(https://www.nme.com/en_asia/reviews/album/g-idle-i-never-die-tomboy-review-3184461)
Seria possível trazer uma lista de idols femininas que vem abrindo e atendendo a novas demandas por meio de seu trabalho. Das gerações mais antigas até as mais novas, as meninas já não cantam só sobre relacionamentos amorosos romantizados ou sobre rixas femininas, abrindo lugar para empoderamento e protagonismo. Aqui é importante dizer que esse fenômeno já é detectável desde a segunda geração e vem tendo maior aderência com o passar dos anos. Não só as letras vem mudando, como também o direito de opinar sob o próprio corpo. A pele excessivamente pálida, a magreza extrema e as feições delicadas estão dando lugar a aceitação da diversidade enquanto uma forma de aceitação e beleza.
Dessa forma, temos a abertura para o questionamento do que constitui o entendimento de ser mulher e de ser uma idol feminina. Mesmo que parcialmente, questionar essas estandartes dentro do K-pop é uma forma de questionar o papel da mulher na sociedade sul-coreana. Usar de sua visibilidade para trazer por meio de seu trabalho, as outras possibilidades de ser mulher, e levanta debates acerca das reivindicações da mulher moderna.
Fonte bibliográfica:
ABRANTES, Ana Flávia Q. D., QUEM TEM TETO DE VIDRO, QUE ATIRE A PRIMEIRA PEDRA:
DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NO MERCADO DE TRABALHO SUL-COREANO. João Pessoa, 2022. 58. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Relações Internacionais) – Universidade Federal da Paraíba. Disponível em : https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/25684?locale=pt_BR.
TORRES, Maria Tereza D. L. I came here to drop some LISA: Performance midiática e o branding pessoal da idol de k-pop LISA do BLACKPINK. Recife, 2022. 122. Trabalho de Conclusão de Curso ( Bacharel em Comunicação, habilitação em Publicidade e Propaganda ) – Universidade Federal de Pernambuco. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/48205.
