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Campina Grande, 27 de fevereiro de 2025.
O retorno do “Baekgoldan” e o avanço da extrema-direita na Coreia do Sul
Em meio ao cenário global de crescimento dos movimentos de extrema‐direita, a Coreia do Sul vem registrando acontecimentos que reacendem memórias de um passado autoritário. Recentemente, um grupo de jovens de extrema‐direita, autodenominado “Baekgoldan” (“Pelotão Caveira Branca” em tradução livre), ganhou destaque por sua proposta de impedir fisicamente a prisão do presidente deposto Yoon Suk-yeol.
A relevância deste acontecimento se dá pois, em um mundo onde forças radicais desafiam democracias consolidadas, o ressurgimento de um grupo que invoca símbolos de violência estatal é um alerta para todos aqueles que defendem os valores democráticos, especialmente uma democracia tão jovem como a da Coreia do Sul.
O nome adotado pelo grupo remete a uma unidade policial entre os anos 1980 e 1990, que se tornou sinônimo de repressão brutal. Na época, policiais à paisana – conhecidos como Baekgoldan – foram responsáveis pela violenta supressão de protestos pró‐democracia, culminando, entre outros episódios, na morte do estudante universitário Kang Kyung‐dae, em 26 de abril de 1991. Relatos da época, como os publicados pelo Sisa Journal, descrevem longas noites de patrulha, condições exaustivas e o desprezo da sociedade por esses agentes, reforçando a memória de um período em que a violência estatal silenciava vozes divergentes.
Ainda em 1991, o jornalista Oh Min-su, do Sisa Journal, passou 24 horas acompanhando os policiais da unidade Baekgoldan em sua rotina diária. Seu relato revelou não apenas o cansaço físico dos agentes, mas também as tensões emocionais e contradições vividas por esses jovens, que tinham entre 20 e 22 anos. Em meio à repressão de manifestações, patrulhas exaustivas e a hostilidade da população, muitos expressaram descontentamento com seu papel, sentindo-se presos a uma função que não haviam escolhido.
Hoje, um grupo de jovens, em sua maioria na faixa dos 20 a 30 anos, ressurge sob o mesmo nome. Vestindo capacetes brancos que deliberadamente remetem à aparência dos antigos policiais à paisana, os integrantes se organizam como parte da autoproclamada “Liga Juvenil Anticomunista”. Liderados por Kim Jung‐hyun – ex‐jornalista que concorreu, sem sucesso, ao Parlamento em 2024 – eles afirmam ter cerca de 30 membros centrais.
Em uma coletiva de imprensa realizada na Assembleia Nacional em janeiro, o grupo declarou sua intenção de impedir fisicamente qualquer tentativa de prisão do presidente deposto Yoon. Segundo seu líder, a ação contra Yoon poderia desencadear uma “guerra civil”. Além disso, os jovens informaram que estão organizando uma “força de defesa civil” ao redor da residência presidencial, reavivando métodos violentos e autoritários que trazem à tona memórias dolorosas da história recente da Coreia do Sul.
Repercussão e reação
A escolha do nome “Baekgoldan” provocou imediata indignação em diversos setores da sociedade. Críticos afirmam que adotar um símbolo tão carregado de violência e autoritarismo representa um retrocesso perigoso para o país. Mesmo entre apoiadores do presidente Yoon, a reação não foi unânime. Durante comícios em favor do presidente destituído, alguns manifestantes questionaram as intenções do grupo, sugerindo inclusive que a iniciativa poderia estar sendo utilizada para desacreditar o movimento pró‐Yoon.
O episódio ganhou ainda mais visibilidade quando a coletiva do grupo foi organizada por Kim Min‐jeon, parlamentar do Partido do Poder Popular (PPP, legenda do presidente), na Assembleia Nacional. Após intensas críticas, Kim Min‐jeon pediu desculpas por ter organizado o evento “sem a devida verificação de informações precisas”, embora tenha afirmado que a escolha do nome não era de sua competência.
Raphael Rashid, jornalista freelancer baseado em Seul, expressou suas preocupações sobre esse ressurgimento em seu perfil na rede social Bluesky. Em suas análises, Rashid enfatiza que o fato de um grupo extremista abraçar símbolos de violência autoritária e obter espaço oficial, por meio do apoio de um parlamentar governista, representa uma escalada perigosa. Para ele, essa postura evidencia como a democracia pode ser desafiada de forma insidiosa, especialmente em um contexto global onde ideologias radicais ganham força.
O ressurgimento do “Baekgoldan” coloca em evidência um dilema crucial para a Coreia do Sul: como proteger as conquistas democráticas quando movimentos que evocam métodos autoritários começam a ganhar espaço? Em meio à intensificação da polarização política, a memória dos abusos do passado – revivida pelos relatos dos antigos Baekgoldan – serve de alerta para que a sociedade permaneça vigilante.
Enquanto o país acompanha os desdobramentos desse grupo e as reações de apoiadores e críticos, é essencial reforçar o compromisso com os princípios democráticos. A ascensão de movimentos radicais não deve ser encarada apenas como uma reação às crises políticas, mas sim como um risco concreto que pode abrir caminho para a revivência de práticas violentas e antidemocráticas.