Imagine essa cena: um grupo de amigos, cheio de coisas para falar, decide se reunir e formar uma roda. A partir daí, cada um começa a lançar versos e rimas que descrevem suas realidades, sonhos e ambições enquanto um beat toca ao fundo. Essa reunião é tipicamente conhecida como “cypher”, e faz parte da cultura hip-hop desde sua gênese na década de 1970 nas ruas do Bronx, bairro de Nova Iorque.
O termo vem da palavra sifr (سيفر), em árabe, e quer dizer literalmente “zero” ou “nada”, o que enfatiza essa questão das cyphers serem originalmente um momento para que MCs/rappers mostrem habilidades no improviso, o famigerado freestyling. Pode ser também algo mais competitivo, mas essa não é obrigatoriamente a essência da coisa, e sim fazer um som coletivamente e se divertir.
E além da música, a palavra também é usada entre b-boys e b-girls (dançarinos de break dance) para se referir ao mesmo esquema de formar uma roda, só que ao invés de rimas, é necessário apresentar passos de dança inovadores.
Hoje em dia, principalmente com a expansão do hip-hop, que saiu das ruas e agora é um gênero respeitado e consumido globalmente, as cyphers ganharam um certo refinamento, por exemplo, é mais comum que essas reuniões sejam feitas com uma alta produção musical, além de deixar essa questão do “construir do zero” um pouco de lado.
E como já aprendemos anteriormente no HIT!Hop, o hip-hop está inserido nos fundamentos do K-pop e, obviamente, no K-hip hop, de maneira que essa tradição das cyphers se faz presente na indústria musical sul-coreana.
Então, agora que você entendeu um pouco do conceito por trás dessa chuva de criatividade, fique agora com exemplos.
BTS e suas cyphers
O grupo possui uma rap line de respeito, o trio RM, Suga e j-hope, que inclusive foram os primeiros membros no BTS. Por serem produtores geniais e rappers de primeira linha, eles não fizeram só uma cypher, mas possuem quatro (que são divididas por parte) ao longo da discografia. Abaixo você confere a primeira delas:
“도착 (Cypher)” com Sik-K, pH-1, Woodie Gochild, HAON, TRADE L e Jay Park
Família H1GHR MUSIC na área! Nesse vídeo podemos ver claramente aquela questão da pré-produção que mencionei, algo que foge um pouco da essência caseira e despretensiosa do cypher, mas que é o comum atualmente. Aqui os rappers estão utilizando uma mesma batida e é interessante ver que cada um possui um estilo na hora rimar, seguindo sua identidade e flows únicos:
“Cypher (Position)” do girl group CRAXY
E tem girl group explorando o mundo das cyphers também. Aqui, diferente da anterior, a medida que cada membro recita os versos, também há uma mudança na atmosfera da música, com diferentes batidas numa canção. A rap line do grupo, composta por Woo-Ah, Karin e Hyejin, ganha destaque na faixa, mas as meninas também aproveitam para incluir vocais:
“Blue Check” – versão remix com BLASÉ, 365LIT, JUPITER, KHAN, XINSAYNE, 노윤하, sokodomo, 코알라, 잠비노, 이영지, 칠린호미 e NSWyoon
Originalmente, “Blue Check” foi feita pelo rapper toigo com produção e composição de Slom e pH-1, além de feats do cantor e rapper Jay Park e de Jessi, uma das rappers femininas de maior sucesso na Coreia hoje em dia.
Até que saiu essa versão remix que tem um formato muito característico de cypher, pois reúne muitos rappers sul-coreanos e no vídeo podemos ver como eles se organizam em um semicírculo, além de se divertirem fazendo música junto, confira:
KOREA CYPHER SPECIAL com Owen Ovadoz, Basick, Flowsik, Reddy e YunB
Esse vídeo faz parte do segmento de cultura hip-hop Yo! MTV Raps, da emissora estadunidense MTV. Nesse episódio em específico, eles convidaram apenas MCs da Coreia do Sul e além de vermos o talento desses artistas, a gente fica por dentro da história de vida que inspira as letras.
Aqui, cada rapper ganhou um beat diferente para construir suas rimas em cima e, ao meu ver, dessa vez foi um cypher “raiz”, com o improviso reinando e um diferencial das outras citadas aqui: a presença da plateia.
Curtiu essa pequena seleção de K-cyphers? Então não deixe de comentar qual foi sua favorita e se você tem alguma recomendação que não entrou nessa lista.
Vejo vocês na próxima, peace out!
Design de capa: Vicky Barros
Fontes e referências: (1) (2) (3) (4)