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HIT! Leituras: Sukiyaki de domingo

“Não procurei ser coerente como nas outras obras. A maior motivação deste livro foi a miséria.” – Bae Suah

Nojento, desconfortável, e genial. Se precisássemos usar poucas palavras para descrever “Sukiyaki de Domingo”, da Bae Suah, essas seriam as primeiras a aparecer na cabeça. No HIT!Leituras desse mês, o livro escolhido não é nem um pouco fácil de se ler, mas é impressionante do começo ao fim.

Primeiramente, é importante dizer que a obra não é como um romance tradicional, no qual você lê sobre um único protagonista enfrentando batalhas épicas ou encontrando seu grande amor. Ele é um romance não linear no qual as partes se interligam por causa do tema principal, a miséria, e a cada novo capítulo você é apresentado a uma nova história com personagens que, podem ou não, já terem sido mencionados anteriormente e sempre mostrando seu lado mais quebrado com o passar do enredo.

Por causa do tema e a maneira como ele é desenvolvido, enquanto lemos o livro, era muito difícil não relacionar a obra da Bae Suah com algumas obras típicas do movimento Naturalista da literatura brasileira. A forma como ela detalha cada passagem sem poupar palavras para descrever o lado mais infeliz do ser humano ajuda a construir uma imagem que te causa um desconforto imenso durante a leitura, e isso se acentua quando você lê os diálogos que são extremamente explícitos. Sem usar nenhum eufemismo, a escritora é capaz de fazer, de uma maneira genial, o mesmo desenho desagradável que Aluísio de Azevedo, por exemplo, construiu ao escrever “O Cortiço”. Então, para quem curte esse tipo de leitura, “Sukiyaki de Domingo” é um bom livro para começar a ler mais obras sul-coreanas.

Além disso, a obra também tem pontos muito interessantes para quem quer ou está aprendendo a língua coreana. A edição lida foi traduzida para o português brasileiro, então não podemos dizer ao certo quantos trocadilhos ou curiosidade linguísticas que se escondem entre as linhas da narrativa, mas podemos falar sobre duas que chamam muita atenção: a primeira delas seria com o nome da personagem Kyung-sook Don, no qual seu sobrenome tem a mesma sonoridade da palavra dinheiro, no idioma original, e isso se liga com o fato de que ela sustenta financeiramente seu marido. O segundo trocadilho segue a mesma linha de raciocínio e acontece com a personagem Hye-rin Bu, no qual a sílaba “bu” pode ser uma forma contraída de dizer a palavra 부푼(bupun) que significa inchado, gordo – característica essencial para narrativa da garota. Esse tipo de brincadeira adiciona ainda mais riqueza a leitura e é sempre engraçadinha de se perceber.

Mesmo com tantos pontos legais a se analisar, vale ressaltar que, por se tratar de um retrato “nu e cru” da sociedade e da miséria sul-coreana, tem muitas ações e frases que podem gerar um grande choque cultural nos leitores. Um deles, por exemplo, é a frase “corpo esguio como o dedo de uma vietnamita” utilizado como uma maneira “apropriada” para descrever o personagem. Enquanto leitores brasileiros, não sabemos dizer se essa comparação é um traço cultural ou algo que foi escrito para chocar quem lê a obra, mas trechos como esse são muito comuns por toda a narrativa. 

Porém, isso não torna o “Sukiyaki de  Domingo” um livro horrível, pelo contrário, o trabalho de Bae Suah é uma obra que nos ajuda a desconstruir a imagem da Coreia do Sul como um país perfeito. Ao invés de descrever sua pátria como uma potência tecnológica ou um lugar belo, a autora vai na contramão dos preceitos populares e retrata a pobreza da alma de maneira única e realista. 

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