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Arte, política e identidade: os caminhos do drag na Coreia do Sul – ENTREVISTA Hurricane Kimchi

Entrevista: Carol Tomé e Gabrielle Costa
Tradução: Júlia Araújo
Design: Jéssica Fernandes
Foto: Kyungyup Kim

A cena drag da Coreia do Sul segue em crescimento como uma expressão artística que busca ir além do palco, para alguns seus objetivos são: resistência, identidade e celebração em um país ainda fortemente marcado por normas sociais conservadoras. Em meio a um cenário que desafia a comunidade LGBTQIA+, existem artistas que constroem espaços de visibilidade, transformam estéticas e reivindicam pertencimento.

Entre esses nomes, Hurricane Kimchi se destaca não apenas como performer, mas como voz que narra de dentro as nuances da vida drag no país. Através de sua experiência, ela revela os contrastes da cena: entre a dificuldade de conquistar reconhecimento e a potência de uma comunidade que cresce com coragem, criatividade e solidariedade.

Confira abaixo a entrevista completa onde o artista conta mais sobre a realidade da cena drag do país: 


Time HIT!: Como o ambiente social e político da Coreia do Sul influenciou o crescimento e a visibilidade da cena drag ao longo dos anos?
Hurricane Kimchi: Tenho uma opinião difícil sobre isso. Embora o drag tenha se tornado mais popular e reconhecido nos últimos anos, ao contrário de alguns países e sociedades onde drag queens são as primeiras a levantar suas vozes para lutar contra a injustiça em geral e, claro, pela comunidade LGBTQ+, aqui não é tanto assim. Os padrões de beleza rígidos, superficiais e rasos da Coreia, e como isso afeta a sociedade e as pessoas, também afetam a cultura drag por aqui. A maioria dos artistas drag coreanos simplesmente querem se tornar influenciadores e celebridades e não querem ter nada a ver com política ou ativismo. Mas há alguns coletivos/grupos (como o Seoul Drag Parade, Crash Landed Seoul) e indivíduos que realmente se importam em apoiar e contribuir para a comunidade, e eu espero que cada vez mais drag queens e coletivos drag sigam esse caminho no futuro.

Time HIT!: Você fundou o Seoul Drag Parade em 2018. Do ano de estreia até agora, você acredita que a cena drag na Coreia do Sul mudou ou cresceu?
Hurricane Kimchi: Me interessei por drag em 2013 e comecei a fazer drag em 2014, depois fundei o Seoul Drag Parade* em 2018. A cena definitivamente mudou, ou melhor, eu diria que praticamente não havia uma cena drag quando comecei, apenas um espaço de shows que já existia há bastante tempo. Agora há mais locais de shows drag e coletivos, então podemos dizer que existe uma cena, mesmo que ainda relativamente pequena, mas é uma mudança significativa.
*Seoul Drag Parade – Parada Drag de Seul

Time HIT!: Quais foram os maiores desafios que você enfrentou como drag queen em uma sociedade ainda conservadora e marcada por normas rígidas?
Hurricane Kimchi: Eu diria que a sociedade coreana constantemente tenta apagar o drag enquanto lucra com isso, do mesmo jeito que tenta apagar as pessoas LGBTQ+ e sua cultura enquanto as explora. Musicais que apresentam drag como “Hedwig”, “Kinky Boots” e “Everybody’s Talking About Jamie”, são enormes na Coreia, mas quando os promovem, dizem que esses musicais são sobre arte e paixão, sem sequer mencionar os componentes LGBTQ+, que são justamente o núcleo de todos eles. Também mostram artistas drag em revistas e desfiles de moda sem reconhecer ou mencionar as pessoas e a comunidade LGBTQ+. Isso me irrita demais, de verdade.

Time HIT!: Como você vê o papel da cena drag na Coreia do Sul em desafiar estereótipos de gênero e incentivar debates sobre identidade e auto expressão?
Hurricane Kimchi: À medida que mais pessoas tomam consciência da cultura drag e desenvolvem interesse por ela, seja fazendo ou assistindo, acho que mais gente começa, pouco a pouco, a questionar o binarismo de gênero. A misoginia na Coreia é extrema. Aqui, se uma mulher tem cabelo muito curto, as pessoas podem chegar a atacá-la e assediá-la por ser feminista, cancelá-la e tornar sua vida miserável. É apenas um exemplo, mas eu espero que os visuais ousados e a própria existência das drag queens possam ajudar a atualizar algumas ideias ultrapassadas, desafiar esses estereótipos de gênero e a discriminação que os acompanha, e eventualmente ajudar a trazer grandes mudanças positivas.

Time HIT!: Seu vídeo DEAR KOREA atraiu muitas visualizações no Instagram, questionando o racismo e a homofobia que minorias enfrentam na Coreia do Sul. Ao mesmo tempo, o K-pop e os K-dramas são ferramentas poderosas de exportação cultural. Quais são os maiores equívocos que visitantes estrangeiros podem ter, e como podemos ser aliados nessa luta?
Hurricane Kimchi: Eu costumo brincar dizendo que tudo de bom que você vê nas “coisas K” é mentira e tudo de ruim que você vê é verdade e geralmente pior (risos). Enquanto o governo coreano se esforça muito para promover a Coreia como algo internacional e global, e atrair turistas e estrangeiros em geral, a sociedade coreana não tem absolutamente nenhum sistema para protegê-los da discriminação que inevitavelmente enfrentarão como alguém de outra nacionalidade e/ou raça, já que a Coreia foi um país etnicamente homogêneo por muito tempo. Há negócios que exibem sem vergonha nenhuma placas dizendo “Proibida a entrada de estrangeiros” sem sofrer qualquer reação negativa. Além da discriminação que você enfrentará se tiver a pele mais escura, sempre haverá discriminação simplesmente por não ser coreano em quase todas as situações, e não há nada que possa ser feito, porque não existe sistema de apoio, nem lei antidiscriminação. Uma forma de pressionar por mudanças seria denunciar a Coreia e seus problemas. Isso inclui criticar o governo e os políticos coreanos também, é claro.

Time HIT!: De que maneiras a internet e as redes sociais mudaram a visibilidade da cultura drag na Coreia do Sul e o alcance das mensagens de ativismo?
Hurricane Kimchi: Acho que os vídeos curtos em várias plataformas de mídia social definitivamente trouxeram uma enorme visibilidade para drag queens coreanos. Comecei a notar isso provavelmente durante e depois da pandemia de COVID-19. Há alguns artistas drag coreanos que ganharam muitos seguidores graças a vídeos virais, e embora eu não tenha tantos seguidores quanto eles, meu Instagram começou a crescer muito mais rápido desde que passei a criar vídeos curtos recentemente. Embora talvez eu seja a única drag queen coreana que faça conteúdo com propósitos de ativismo no momento, o simples fato de drag queens estarem mais visíveis para mais pessoas por meio das redes sociais já ajuda bastante. Se você quer ser tratado com respeito e provocar mudanças, o primeiro passo é ser visto e reconhecido, certo?

Time HIT!: Além das performances e da música, quais estratégias você acredita que ajudam a fortalecer a luta pelos direitos LGBTQ+ no país?
Hurricane Kimchi: Com certeza existem os aspectos da arte e das mídias sociais, mas não podemos esquecer que, no núcleo do ativismo pelos direitos LGBTQ+, existem tantos ativistas em tempo integral que trabalham duro. Eles sempre elaboram estratégias para, gradualmente, expandir os limites das leis e do consenso social, e executam seus planos de maneira muito sábia e firme. Existem advogados, médicos, escritores e muitos outros ativistas com diferentes expertises e formações envolvidos em inúmeros projetos, e eles já conquistaram muitas coisas até agora. Tornaram possível que pessoas trans pudessem mudar legalmente de sexo sem cirurgia de redesignação (envolvendo genitais e útero). Tornaram possível que casais do mesmo sexo se registrassem como titular e dependente no Seguro Nacional de Saúde. E muitas outras coisas. O foco atual deles é a legislação de uma lei antidiscriminação e o casamento entre pessoas do mesmo sexo!

Time HIT!: Você poderia mencionar algumas outras drag queens na Coreia do Sul que você considera importantes ou inspiradoras, para que nossos leitores conheçam mais sobre a cena local?
Hurricane Kimchi: Anessa é uma drag queen com cerca de 40 anos, seguindo firme e se reinventando diversas vezes. Ela não se concentra apenas no sucesso comercial, também se importa com a comunidade e o ativismo, e por isso fazemos muitas coisas juntas. Paris Fagette tem um ótimo nome que veio da famosa franquia de padarias coreana Paris Baguette. Ela não é apenas uma grande performer nos palcos drag, mas também tem sido super ativa e influente na cena ballroom da Coreia. E se você quiser conhecer drag queens coreanas de estilo mais clássico, pode vê-las em locais como Trance e 2F*, em Itaewon. E se quiser ver performers mais internacionais e alternativos, procure espaços como Rabbithole Arcade Pub, Uplift Seoul e Queen Dumb Hongdae*!
*Trance, 2F, Rabbithole Arcade Pub, Uplift Seoul, Queen Dumb Hongdae – Bares com apresentações de drag.

Time HIT!: Você é a primeira drag queen cantora e compositora da Coreia do Sul. Existe algum artista coreano com quem você gostaria de colaborar?
Hurricane Kimchi: No momento não tenho nenhuma celebridade em mente, mas se alguém famoso e talentoso me procurasse, eu ficaria feliz em discutir a possibilidade de colaboração. Até agora, minhas colaborações foram com amigos que são compositores, engenheiros e cantores locais, e estou contente com isso. Consigo me relacionar mais com as pessoas ao meu redor e me sinto mais confortável trabalhando com pessoas que conheço, em vez de completos estranhos que são populares, mas não têm muito em comum comigo. Minhas inspirações muitas vezes vêm dos meus amigos e das minhas comunidades!

Time HIT!: Se a Coreia do Sul algum dia tiver sua própria versão de Drag Race, qual música de lipsync você gostaria de ver?
Hurricane Kimchi: Sendo millennial*, eu teria que dizer uma das músicas do Wonder Girls, se tivesse que escolher um número de dança. Se tivesse que escolher uma ballad*? Existem tantas ballads coreanas incríveis dos anos 2000 que é difícil escolher, mas com certeza consigo me imaginar fazendo um número com uma delas. Desculpe se minhas escolhas são antigas! Juro que também performo músicas novas de K-pop dos anos 2020 nos meus shows!
*Millennial – pessoas que nasceram por volta de 1980 até o fim da década de 90.
*Ballad – Estilo musical

Time HIT!: Seu último single, The Journey, foi lançado em 2023. Algum spoiler sobre o que vem a seguir? Há um comeback em mente?
Hurricane Kimchi: Essa música foi, na verdade, gravada em 2022, embora tenha sido finalizada e lançada em 2023. O motivo de eu não ter lançado nada novo por um tempo é que venho enfrentando muitos problemas de saúde, incluindo questões vocais devido à Covid longa. Mas estive trabalhando em uma música meio country esse ano, ainda tenho que trabalhar muito nela e colaborar com alguns outros músicos talentosos para finalizá-la, então provavelmente não será lançada até o próximo ano. Tive a ideia para a música a partir das dificuldades físicas e mentais que passei, então será pessoal, mas muita gente poderá se identificar, porque todos passam por momentos difíceis e enfrentam desafios na vida. Não estou com pressa para lançar logo, mas estou bem animada com essa música, com certeza!

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Videoclipe de “가는 길에 있어요 (The Journey)”. (Créditos: Reprodução/HurricaneKimchi/Youtube)

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