São Paulo, 09 de outubro de 2024.
A capacidade de comunicar ideias, sentimentos e amenidades só é possível graças a linguagem – seja ela escrita, de sinais, falada ou até mesmo por imagens. Quando pensamos em linguagem como comunicação, percebemos que ela é parte integral da cultura e sociedade, e que portanto rege, e é regida, pelas interações em que é utilizada.
As alterações de uma língua só podem ser estudadas a partir do momento em que ela ganha uma forma de registro (geralmente na forma escrita), e é por isso que os alfabetos são tão importantes.
Mas e quando o sistema de escrita é incorporado de uma outra cultura?
O coreano antigo, falado entre 600 e 900 d.C., utilizava os caracteres chineses – chamados de hanja na península – para seu registro. Isso excluía grande parte da população da possibilidade de escrever, já que apenas a elite era letrada o suficiente para compreender e utilizar essa escrita. Outro desafio na época era a forma de utilizar o hanja, que às vezes era utilizado pelo significado do ideograma, e às vezes pelo som associado a ele, para criar a escrita fonética de uma palavra em coreano¹.
O uso do hanja para escrita em coreano continuou por grande parte do que se considera o coreano médio, de meados de 900 até cerca de 1600, já que em 1443 o Grande Rei Sejong encomendou um novo alfabeto.
O que se conta sobre a ideia por trás da criação de um novo alfabeto era garantir que a maior parte do povo coreano fosse letrado, de forma fácil e eficiente. Assim foi criado o hangul, um alfabeto fonético, no qual sua imagem se aproxima também do formato que a boca deve fazer para a pronúncia correta, e lógico, no qual as regras para seu som são aplicáveis ao todo.
O alfabeto conta com 24 letras, sendo dez vogais e quatorze consoantes, organizadas em blocos silábicos de duas a quatro letras², e cada bloco contendo apenas uma vogal. Tanto as vogais quanto as consoantes possuem também variações.
Em 1446 foi publicado “Os sons certos para a instrução do povo”, um manual para o uso e ensino dessa nova forma de escrever. Porém, apenas em 1894 o alfabeto foi usado em documentos oficiais do governo. Isso porque a elite, que se beneficiava do anafalbetismo hanja da população, foi contra o uso desse registro³; e a ocupação japonesa da península também atrasou a implementação do hangul em órgãos oficiais.
Mesmo assim, durante esses 400 anos, o hangul se fortaleceu como forma de escrita do povo coreano, inclusive como forma de autoafirmação diante de conflitos com outras nações.
O acesso à escrita e à leitura permitem não só a comunicação no presente, mas também o acesso à História de um povo, seus costumes e pensamentos. O conhecimento é uma forma de assumir lugares de fala e de compreender como e por que a sociedade age e é construída das formas que a vemos, e por isso o hangul é celebrado anualmente em 9 de outubro, data estabelecida pelo governo sul-coreano para a lembrança dessa história e patrimônio nacional.