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DUAS POR TODAS: do K-pop a Burning Sun, o impacto das denúncias de Park e Kang

Texto: Cida Silva
Design: Madu Souza

Aviso de gatilhos: abuso de vulneráveis, violência sexual, aborto.

A luz do palco não foi capaz de ofuscar os crimes a longo prazo. O barulho da música não conseguiu silenciar as vítimas por muito tempo. A demora de três anos foi sufocante, mas não afogou a persistência de duas jornalistas em uma constante busca por justiça. Park Hyo-sil e Kang Kyung-yoon enfrentam até hoje os efeitos de cada denúncia, mas nada pode tirar delas a certeza de que foram as primeiras a expor a violência de gênero no K-pop e no entretenimento noturno coreano.

Em documentário inédito produzido pela rede BBC, lançado em 19 de maio, podemos assistir ao forte relato das jornalistas responsáveis por denunciar crimes sexuais praticados por artistas de K-pop e rock sul-coreano.

No ano de 2016, a repórter Park Hyo-sil levou a público uma matéria com denúncia de “molka” (câmera escondida para filmar conteúdo sexual sem consentimento). A denúncia partiu da ex-namorada do Jung Joon-young, um famoso cantor e compositor, integrante da banda Drug Restaurant

Com público e mídia ao seu lado,  Jung Joon-young negou as acusações, não entregou seu celular para investigação e conseguiu ter seu caso arquivado. Esse desfecho negligente colocou a jornalista Park Hyo-sil como vilã, desencadeando uma perseguição que durou anos, fazendo ela sofrer pressão emocional e dois abortos. Foi preciso três anos amargos para a injustiça começar a ser desfeita. Quando a repórter Kang Kyung-yoon recebeu, de uma fonte anônima, arquivos de um chat, percebeu que aquela denúncia de 2016, feita por Park, era só a ponta do iceberg. Foram meses lidando com imagens, fotos e conversas perturbadoras.

Burning Sun, boate fundada por Seungri, ex-membro do grupo Big Bang, não vendia só bebidas ou atrações musicais, o ambiente era pano de fundo para crimes sexuais. Em chat privado, agora vazado, Jung, Seungri e Choi Jong-hoon, guitarrista principal da banda FT Island, trocavam fotos e vídeos de mulheres em um claro momento de violência de gênero, com elas sendo alvo de abusos, filmagens ilegais e violação de sua integridade física. Nesse ponto, era impossível não exigir justiça por cada uma das vítimas.

Em 2019, a investigação recebeu pressão popular e cobertura intensa da mídia. Alguns profissionais reconheceram o erro praticado em 2016 e a coragem da jornalista Park Hyo-sil foi finalmente aplaudida. Esse contexto motivou muitas vítimas a denunciarem os réus. O caso Burning Sun foi encerrado com três condenações: Jung Joon-young cumpriu cinco anos de prisão por estupro coletivo e filmagem/distribuição ilegal; Choi Jong-hoon cumpriu 2 anos e 6 meses de prisão por estupro coletivo; e Seungri foi considerado culpado por mediação de prostituição, peculato, filmagens ilegais e incitação à violência, cumprindo apenas 1 ano e 6 meses de prisão. Hoje, todos estão livres.

Em pleno 2024, é difícil falar em justiça quando as próprias vítimas não encaram o desfecho do caso como sendo justo ou suficiente. Grupos feministas continuam lutando para a implantação de leis que de fato sejam comprometidas em proteger as mulheres. Porque enquanto a mídia indica que Jung Joon-young se prepara para regressar ao cenário musical, as jornalistas Park Hyo-sil e Kang Kyung-yoon mudaram seu estilo de vida para se proteger das ameaças que até hoje recebem. A dúvida que fica é: a justiça foi realmente justa?

Como bem disse a repórter Kang: “Estamos apenas jogando uma pedrinha em um lago gigante”. O caso Burning Sun foi só uma parte da margem. Precisamos continuar falando, denunciando e criticando os sistemas que sustentam essa realidade violenta. Não queremos muito, só queremos tudo que nossos direitos garantem: liberdade, segurança, igualdade e respeito. Mas como e quando isso será integralmente atendido? Não sabemos! Mas continuaremos buscando soluções e respostas. Continuaremos por Park, Kang e por todas.

Fontes: (1), (2), (3).

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