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HIT!Letter: K-pop e o amarelo do Brasil

Desde que comecei nessa vida como redatora, eu sempre sonhei com o dia em que poderia falar sobre vivências e criar um ambiente saudável de discussão sobre a amarelitude, mas o tempo passou e eu acabei deixando essa ideia de lado, porque, para mim, existiam urgências mais importantes. Porém, a oportunidade de escrever o HIT!Letter deste mês caiu sobre meu colo e as ideias que estavam no fundo do meu cérebro voltaram com tudo.

No início do mês, em 3 de julho, tivemos o dia do Combate a Discriminação Racial e isso me trouxe tantas memórias sobre a vivência não-branca, como a infância e adolescência sem representatividade alguma. Em 2015, mais ou menos, youtubers como Niina Secrets, Boca Rosa e Taci Alcolea eram algumas das garotas que dominavam o mundo digital e ensinavam à sua audiência suas maquiagens e looks incríveis. Já no mundo da música, artistas como Shawn Mendes, Justin Bieber, Demi Lovato, Ariana Grande, entre outros, eram as sensações entre os adolescentes. Mesmo gostando de assistir o conteúdo de cada uma delas e ouvir aquelas músicas famosas nas rádios, ainda existia uma parte em mim que sentia um desconforto sem nome.

A maquiagem, por exemplo, sempre foi um obstáculo para mim. Não importava o quão bem eu seguisse o tutorial, no momento que meus olhos se abrissem, o esforço desaparecia. Naquele tempo, não existia ninguém famoso que ensinasse para outras pessoas amarelas que nossa pálpebra é diferente, nossa bochecha não é igual a das blogueiras brancas, nossos narizes são baixos, que nós éramos diferentes. Como não existia quem nos guiasse no meio dessas diferenças, eu nunca entendi o que deveria fazer, então desisti da maquiagem por anos.

E o mundo da televisão não era tão diferente. Na frente das câmeras, os papeis dados aos amarelos, isso quando eles sequer apareciam, eram sempre os mesmos: a criança exótica, o asiático super inteligente, a mulher recatada e tímida, o prodígio em artes marciais. Já fora das câmeras, atrizes como Brenda Song, que interpretou a lendária London Tipton (uma das poucas exceções da minoria modelo) em “Zack e Cody”, nunca foram tão influentes ou tão famosas quanto Ashley Tisdale, por exemplo, que interpretou uma personagem de igual relevância no mesmo seriado. Como crianças amarelas poderiam crescer e sonhar em ser a Hannah Montana ou a Miley Cyrus se nunca vimos alguém como nós nas telinhas ou no tapete vermelho?

Essa pergunta só ganhou rascunho de resposta em 2016, quando o K-pop começa a crescer no Brasil e um novo mundo se abre. No mundo da moda e beleza, vídeos de pessoas como a Pony Syndrome, a Suhyun do AKMU, a COCOCHO, a Hana Lee, a Joyce Kitamura, entre outras, começaram a aparecer nos recomendados do Youtube e mudam a percepção que eu tinha sobre automaquiagem. Com ou sem barreira linguística, foi a partir de pessoas com o mesmo nariz baixo ou pálpebra únicas similares aos meus traços que eu pude entender uma coisa:  nós, amarelos, somos diferentes, mas nunca invisíveis. Eu podia usar aquela famosa sombra da MAC, eu só precisava de uma técnica nova e nada mais.

Depois de conhecer o K-pop, eu vi uma pluralidade que não existia até então. Nesse pequeno mundinho, Cha Eunwoo era considerado um dos homens mais bonitos, e não o Zac Efron; a atriz mais comentada era a Song Hyekyo, e não a Jennifer Lawrence; as pessoas falavam direto sobre o EXO na timeline do Twitter, e não do One Direction. Ninguém precisaria sonhar em ser a Hannah Montana, porque, agora, elas podem ver a performance da SUNMI e se espelhar nessa artista tão singular e tão semelhante à criança sonhadora. Quanto maior a onda hallyu se tornava no ocidente, maior o sentimento de pertencimento se tornava. Se eu contasse para minha eu de anos atrás que o BTS foi indicado ao Grammy, que o Bong Joon Ho ganhou um Oscar como melhor diretor ou que os K-dramas são fenômenos no Brasil, não sei se ela seria capaz de acreditar em tudo isso. 

Foram nessas pequenas grandes conquistas que eu pude ver uma luz no fim do túnel para as próximas gerações. Espero que essas premiações sirvam, não como um limitador para onde nós podemos chegar, mas um novo horizonte no qual podemos sonhar e crescer cada vez mais. Claro que a conversa sobre amarelitude e a diáspora asiática (utilizando esse termo, englobo as ramificações como as pessoas marrons) precisa de muita discussão e desenvolvimento aqui no Brasil Mas saber que uma próxima geração tem um exemplo que não tínhamos até então é reconfortante e, por ora, nós merecemos ser felizes por isso.

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